2 de maio de 2016

Imperialismo, militarismo e propaganda nos Estados Unidos, parte 1


Por Icles Rodrigues

“O mundo deve estar seguro para a democracia. Sua paz deve ser plantada sobre as fundações testadas da liberdade política. Nós não temos fins egoístas a servir. Não desejamos nenhuma conquista, nenhum domínio. Não buscamos indenizações para nós mesmos, nenhuma compensação material para os sacrifícios que nós devemos fazer livremente. Nós somos apenas um dos campeões dos direitos da humanidade.”
Woodrow Wilson, 2 de abril de 1917[1]

“Nenhum limite do cinismo perturba a equanimidade dos moralistas ocidentais.”
Noam Chomsky [2]

As relações entre o governo, as elites e a mídia estadunidense são estreitas, e estes, inegavelmente, se beneficiam uns dos outros. Desde o século XIX, a distorção de acontecimentos, a manipulação através da retórica, de jornais e meios distintos de se propagar notícias funcionou, muitas vezes, em consonância com interesses expansionistas dos Estados Unidos, tal qual ocorre por todo o mundo; mesmo sendo um país ainda jovem, não tardou a mandar um recado para os imperialistas europeus de que apenas a ele competia o papel de protetor e – nas entrelinhas, estava clara tal mensagem – dominador do continente americano.

A série de textos a seguir tem como objetivo – ainda que consciente das enormes lacunas oriundas de uma abordagem rápida a respeito de quase dois séculos de história – um panorama da consonância entre o militarismo e o imperialismo dos Estados Unidos em relação ao resto do mundo a partir do século XIX; no decorrer da apresentação deste conteúdo, discorreremos sobre o papel da mídia e dos argumentos de legitimação, não apenas para justificar o intervencionismo no exterior, mas para dissertar sobre a manipulação de informações dentro dos Estados Unidos.

PARTE 1
O EXPANSIONISMO A PARTIR DO SÉCULO XIX


Após a independência por parte das treze colônias iniciais do lado leste do território que hoje conhecemos por Estados Unidos da América do jugo britânico, os líderes do jovem país sentiram a necessidade de uma expansão para os territórios além dos Montes Apalaches, ambicionada mesmo antes da independência adquirida em 1776, mas impedida pelos britânicos. Após esta conquista, não haveria resistência externa contra esta expansão territorial, que traria, entre outras coisas, uma imensa riqueza material ao país, desejoso de se tornar uma grande potência.

Doutrina Monroe e o expansionismo rumo ao Oeste

A maior parte desse território do oeste pertencia originalmente ao México, que já havia deixado de ser colônia espanhola no início do século XIX, e cuja população era composta tanto por mexicanos, europeus e descendentes destes quanto por uma série de povos indígenas, que resistiam, em sua maioria, à ocupação de suas terras por parte dos colonos brancos estadunidenses. Conforme afirma Claude Fohlen,
um grande número de americanos foi durante muito tempo atraído pelas possibilidades oferecidas pelo oeste, considerando-o uma espécie de Eldorado, cuja conquista era assegurada pelos pioneiros, munidos da experiência adquirida no leste.[3]

Estes não apenas eram compostos por estadunidenses, mas também por uma leva de imigrantes europeus que deixou a Europa em busca de uma vida melhor na ‘América’ – embora muitos imigrantes já estivessem no país desde antes da independência –, alimentada por
uma publicidade muito bem elaborada pelas seitas religiosas, companhias de estradas de ferro, sociedades de mineração, a imprensa local, uma literatura que excitava a curiosidade [...], os onipresentes e onipotentes agentes imobiliários, sem esquecer as autoridades municipais, desejosas de preencher o vazio dos quarteirões urbanos.[4]

O estado do Texas, que havia se tornado independente do México, aderiu à União, despertando a ira do governo mexicano e resultando em um conflito entre os dois países. Este último, abalado por uma longa guerra civil e a intervenção estrangeira constante, não foi páreo para os Estados Unidos, que lhe impôs uma pesada derrota, interessados no controle das plantações de algodão texanas. Posteriormente, decididos a tomar a Califórnia mexicana por conta, entre outras coisas, de interesses marítimos, os Estados Unidos se viram em guerra novamente contra o México. Finalmente em 1948, os dois governos assinaram o Tratado de Guadalupe-Hidalgo cedendo o Novo México e a Califórnia aos Estados Unidos.[5]

Em partes, esse expansionismo possuía respaldo anterior. Após assumir a presidência, James Monroe fez a opção de manter uma diplomacia relativamente neutra quanto ao envolvimento dos Estados Unidos com os países estrangeiros, focando nos assuntos internos – nesse caso, não apenas do país constituído, mas do continente americano. Chamada de Doutrina Monroe, esta política foi anunciada em 1823 no congresso: os Estados Unidos prometiam não interferir na Europa, desde que os Europeus não interferissem na América, enquanto se colocava como guardiões das questões que pudessem envolver o continente como um todo. Em suma, a “América para os americanos”.[6]

Embora dê a entender que tal doutrina se trate de formulações do presidente Monroe, ela na verdade representava as ideias de John Quincy Adams, membro do Partido Federalista; este, anos antes, elogiou a “eficácia salutar” do terror e do extermínio das “hordas misturadas de índios e negros sem lei”, se referindo ao massacre das populações nativas da Flórida a mando do ex-presidente Andrew Jackson, impressionando, por exemplo, o hoje tão aclamado ex-presidente Thomas Jefferson por sua eficácia.[7] Adams pretendia concorrer à presidência, e para tal, tinha que afastar qualquer indício de simpatia pelos britânicos, o que resultaria nos elementos da doutrina.[8] Esta se tornaria um princípio fundamental da política externa estadunidense durante presidência de James K. Polk (1845-49), que segundo Chalmers Johnson, “conquistara mais território para os Estados Unidos do que qualquer outro presidente anterior à exceção de Thomas Jefferson”.[9] Foram invocadas, durante sua presidência, na partilha do Oregon com a Grã-Bretanha e no momento da guerra dos EUA com o México, advertindo as potências europeias a não interferirem no conflito.[10] Estavam em andamento os primeiros passos do imperialismo estadunidense, não sem a devida matança que o caracteriza, como no exemplo mais célebre do século XIX: o massacre de populações nativas, cujo ápice se deu entre o fim da Guerra Civil e cerca de 1890, no fim do período conhecido como ‘Velho Oeste’, inspirados na noção de “Destino manifesto”, que advogava aos Estados Unidos a detenção de virtudes especiais e a missão de levar ao mundo os valores do país. Tais conceitos eram largamente propagandeados, tendo como resultado apoio popular, em maior ou menor escala de acordo com o caso.

Guerra contra a Espanha e o intervencionismo em Cuba

A guerra, chamada por autores estadunidenses de “Guerra Hispano-americana” se deu em decorrência de revoltas em Cuba contra o domínio espanhol. Dispostos a ampliar sua influência no continente, os Estados Unidos se aproveitaram da manipulação de informações feita, principalmente, por Joseph Pulitzer, do New York World e Willian Randolph Hearst, este último com seu New York Journal. Como nos conta Chalmers Johnson,
Antes e durante a Guerra Hispano-americana de 1898, a imprensa foi manipulada de forma a fomentar uma febre belicista na opinião pública e, ao mesmo tempo, omitir relatos das atrocidades e crimes de guerra cometidos pelas forças americanas nas Filipinas.[11]

Em circunstâncias nunca devidamente esclarecidas, o navio estadunidense Maine explodiu, sendo usado, então, como bode expiatório para incentivar a comoção pública. Hearst, inclusive, estampou no New York Journal “desenhos mostrando como os sabotadores espanhóis tinham colocado uma mina sob o Maine, detonando-a depois à distância”.[12] Enviou, tempo depois, o artista Frederick Remington para que produzisse imagens das cenas de rebelião cubanas contra a opressão espanhola. Ao pedir a Hearst para retornar aos Estados Unidos por não ter encontrado nenhum estado de guerra, Remington recebeu uma resposta que se tornou famosa: “Continue aí. Trate de providenciar as imagens, que da guerra me ocupo eu”.[13] Dentro de pouco tempo, o esforço destes dois jornalistas – um deles cujo sobrenome batiza um dos prêmios mais ilustres do jornalismo – em manipular as narrativas dos acontecimentos fez com que a guerra contra a Espanha fosse, por fim, declarada.

Capa do New York Journal de 17 de fevereiro de 1898, acusando a Espanha pelo afundamento do Maine.
            
Chalmers Johnson argumenta que este conflito teria sido o estopim do imperialismo estadunidense e que teria colocado o país no rumo do militarismo. O episódio é de suma importância por nos demonstrar com maior riqueza de detalhes o papel de uma mídia encarregada da manipulação de informações objetivando o benefício das investidas militares, numa relação estreita que não cessou de existir no decorrer do século XX e permanece forte neste início de século XXI.

Quanto a esse militarismo, é importante frisar que o pensamento político em relação à mobilização tradicional nas origens do país é substancialmente diferente do que vemos atualmente. George Washington, no seu discurso de despedida em 17 de setembro de 1776, afirmou que “A regra essencial de conduta que temos de seguir no tocante às nações estrangeiras é estender nosso intercâmbio comercial mantendo, ao mesmo tempo, o mínimo de relações políticas”.[14] No mesmo discurso, Washington faz uma crítica às organizações militares permanentes: “Organizações militares grandes demais são, em qualquer forma de governo, um mau presságio para a liberdade e devem ser vistas como particularmente hostis às liberdades republicanas”.[15]

James Madison, um dos arquitetos da Constituição dos Estados Unidos, faz um comentário ainda mais contundente sobre a questão dos exércitos e da guerra:
De todos os inimigos da liberdade pública, a guerra é o mais temível, porque compreende e nutre o germe de todos os demais. A guerra gera os exércitos; deles procedem as dívidas e os impostos; e guerras, dívidas e impostos são os instrumentos que colocam a maioria sob o domínio de uns poucos.[16]

Tais conselhos de nomes ainda hoje consagrados por aqueles que se remetem hipocritamente à história dos Estados Unidos são ignorados, dada a inconveniência de se ressaltar as declarações antibelicistas dos ‘Pais fundadores’, que seriam deveras inconvenientes diante dos usos políticos das histórias da fundação do país.

CONTINUA NA PARTE 2 (Clique AQUI para ler)






[1] Trecho retirado de: BEARD, Charles A.; BEARD, Mary R. A basic history of the United States. Philadelphia: The New Home Library, 1944, p. 432.
[2] CHOMSKY, Noam. O que o Tio Sam realmente quer. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999, p. 79.
[3] FOHLEN, Claude. O faroeste. São Paulo: Companhia das Letras; Círculo do Livro, 1989, p. 16.
[4] Idem.
[5] KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 128.
[6] Ibid, p. 105-106.
[7] CHOMSKY, Noam. O que o Tio Sam realmente quer. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999, p. 38.
[8] JOHNSON, Chalmers. As aflições do império. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 219.
[9] Idem.
[10] Ibid., p. 219-220.
[11] Ibid., p. 51.
[12] Ibid., p. 52.
[13] Ibid., p. 52-53.
[14] Ibid., p. 57.
[15] Ibid., p. 51.
[16] Ibid., p. 57