CHARTIER,
Roger. A história ou a leitura do tempo.
2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
No
meio acadêmico, é necessário algum tempo até que determinados estudos possam
exercer a influência devida em estudos futuros, além de que os debates a
respeito de um tema podem levar um tempo considerável até atravessar fronteiras
geográficas ou linguísticas, e se manterem ativos em diferentes contextos com o
passar do tempo.
Em
A história ou a leitura do tempo, o
historiador francês Roger Chartier apresenta uma série de pequenos ensaios
trazendo questões contemporâneas a respeito de historiografia, ou que pelo
menos estiveram em voga nos últimos anos e que ainda são debatidas, ao menos no
meio acadêmico brasileiro. Não me arriscarei a afirmar o mesmo sobre outros
países por desconhecimento, mas é algo muito provável.
O
autor é conhecido principalmente por seus trabalhos a respeito de história
cultural e a história da literatura e da escrita, entre outros temas que se
aproximam destes (são também conhecidas suas incursões sobre a relação entre a
História e o Cinema). Nesta obra, o autor não deixa de trazer reflexões a
respeito desses temas, complementando discussões que o mesmo já havia feito em
obras como À beira da falésia
(observação que o próprio Chartier faz na introdução do livro).
No
primeiro capítulo, Chartier traz uma discussão ainda fecunda, pois sua polêmica
permanece intrigante: o “giro linguístico” e o “ceticismo pós-moderno”
encabeçados por acadêmicos como Hayden White e suas afirmações de que o poder
da História estava na narrativa, pois ela não seria capaz de apresentar
verdades, apenas verossimilhanças; logo, sua escrita pouco difere da
literatura, no sentido de que ambas estão repletas de invenções que preenchem
lacunas, e sua efetividade está no seu poder de convencimento, e não na
apresentação de uma história factual. Chartier apresenta muito brevemente essa
discussão, inclusive a partir da réplica de Carlo Ginzburg, um dos mais
ferrenhos opositores das proposições de Hayden White. O primeiro defende que o
rigor dos métodos historiográficos e a construção do conhecimento baseado em
indícios significativos e provas – ainda que o historiador tenha que fazer uma
série de inferências diante da natureza lacunar de todas as fontes – já são o
bastante para distinguir os processos que regem a história e literatura como
produção.
O
segundo dedica um importante espaço para debater as diferenças entre a história
e a memória, algo já discutido por outros autores como Michel Pollak e Paul
Ricoeur, e a relação entre a história e a ficção, sobre as verossimilhanças
literárias e suas representações serem potencialmente úteis aos historiadores
atentos aos méritos e aos deméritos da ficção como fonte histórica.
No
capítulo seguinte, Chartier se dedica a discutir a mudança de foco na História
social para a História cultural, e o que lhe categorizaria. Obviamente que sua
apresentação não esgota a discussão, haja vista que cultura é um termo muito
complexo, e que livros inteiros dedicados a sua conceituação e aplicação ainda
não foram capazes de superar o debate de forma definitiva. O capítulo seguinte
não foge tanto do tema, levando em conta que se dedica a discutir a relação
entre discursos eruditos e práticas populares, a partir de eixos como
“representações” e “representações simbólicas”. Chartier vê um meio termo entre
uma definição de cultura popular como autônoma – fechada em si mesma – e outra
que a coloca como vítima de uma distância entre ela e uma legitimidade cultural
erudita.
Na sequência, o autor traz um vislumbre de discussões a respeito de certa
rejeição à micro-história diante de uma “História global”, talvez demandada
pelas intensas discussões sobre globalização que abundam nos meios acadêmicos
europeus nos últimos anos. Chartier apresenta a discussão e levanta os
problemas do isolamento tanto de uma perspectiva globalizante quanto de uma
estritamente microscópica, sem articulação entre ambas (nada de novo, é
verdade, mas é uma questão pertinente).
O
capítulo seguinte é, na minha opinião, o mais fecundo, mas infelizmente é muito
curto. Chartier traz à tona a discussão sobre a história na era digital. Focado
na história na leitura como é, o autor acaba priorizando os livros e as
informações escritas em detrimento de outras coisas, mas uma ou outra reflexão
geral pode ser absorvida. O autor nos dá algum vislumbre de como a internet
pode ser útil à produção acadêmica, mas é fato que o capítulo é muito lacunar,
principalmente por tratar um assunto ainda tão negligenciado pela
historiografia.
Por
fim, o último capítulo flexibiliza os três tempos da história propostos por
Fernand Braudel (fatos, conjuntura e estrutura), atentando para as observações
de autores como Michel Foucault sobre a importância das relações de poder e das
rupturas que elas causam, que desafiam a rigidez da articulação entre esses
tempos históricos.
Em
todos os capítulos deste livro de cerca de 77 páginas (contando com a
bibliografia), a apresentação das discussões e temas é muito sucinta e pouco
aprofundada, mas a força da obra está justamente nisso: é um livro feito para
ser “consumido” rapidamente, de modo a seu conteúdo ser absorvido de forma
rápida. Levando em conta que muito do que é apresentado nele nada mais é do que
um amontoado de debates historiográficos anteriores, é possível usá-lo como
norte para saber quem são os historiadores que se aprofundam nas presentes discussões,
permitindo o aprofundamento futuro por parte do leitor. Contudo, se lido
isoladamente por um leitor sem alguma noção de certas discussões trazidas por
Chartier, ou se for lido por alguém com vasta bagagem de leituras sobre as
discussões que levanta, o livro pode ser de pouca utilidade.
Preço médio: R$ 30,00