3 de março de 2014

Lawrence Sondhaus - A Primeira Guerra Mundial

SONDHAUS, Lawrence. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2013.

A Primeira Guerra Mundial é, sem dúvida, um dos eventos históricos com uma das mais vastas bibliografias à disposição. No entanto, ao menos no que tange às publicações no Brasil, esta está muito aquém da guerra que lhe sucedeu. Historiadores como René Rémond e Eric J. Hobsbawn há tempos discutiram sobre esta ser ou não uma sequência direta da primeira ou não, mas o fato é que tal perspectiva, ainda que seja bem recebida no meio acadêmico, não muda o fato de que o número de publicações sobre as duas guerras são desproporcionais, ao menos em nosso país.

A despeito do impacto social, político, cultural e econômico que a Segunda Guerra Mundial teve sobre o globo, o primeiro conflito foi, até aquele momento, uma guerra sem precedentes históricos sequer semelhantes. Os conflitos culturais, econômicos, territoriais e étnicos (para não citar outras características que o permearam) foram responsáveis, após a escalada da violência, por significativas mudanças no mapa da Europa, nas relações das potências europeias com suas colônias e países sob suas esferas de influência. Elevaram-se a esperança de emancipação – ou ao menos uma maior autonomia – de países como África do Sul, Namíbia, Índia e Irlanda; foram cometidos crimes de guerra hediondos, como o massacre dos armênios pelo Império Otomano, além do uso indiscriminado de armas de intensa crueldade, proibidas após o conflito, como certas armas químicas; vimos a guerra submarina indiscriminada, o primeiro uso de aviões em uma guerra e o surgimento dos tanques como armas de combate importantes; vimos milhões de soldados perecerem em trincheiras, demonstrando sua ineficiência a longo prazo; vimos a primeira revolução de aspirações comunistas bem sucedida na história, tirando uma potência da guerra e sacudindo o cenário político mundial, dada a suspeita de possibilidade de crescimento de sua influência mundo afora.

Para os acadêmicos, principalmente historiadores, que sentem certa defasagem no conteúdo em português sobre a outrora conhecida como “Grande Guerra”, A Primeira Guerra Mundial de Lawrence Sondhaus não apenas vem complementar a bibliografia em português sobre o tema, mas chega como uma das obras mais completas sobre o assunto. O livro tende a agradar a uma ampla gama de públicos, desde aqueles que buscam descrições de conflitos em particular, movimentação de batalhões e demais questões de cunho bélico (inclusive das marinhas envolvidas, uma das especialidades de Sondhaus), aos que buscam os meandros políticos e sociais, os quais qualquer pesquisador sobre o tema não pode ignorar.

Além de ser uma obra muito abrangente e bem organizada narrativamente (cada capítulo começa com um quadro cronológico de eventos pertinente ao tema do capítulo em si, por exemplo), o livro ganha pontos por seu didatismo e por ser uma obra muito atualizada, à luz das discussões historiográficas mais pertinentes. Chamam a atenção, em pouco tempo de leitura, três características da obra.

A primeira é a inserção de trechos de fontes primárias; cartas, correspondências oficiais, declarações de independência, relatos biográficos, entre outros. É vasto o número de vezes que tais inserções aparecem, contextualizadas com a narrativa principal, de modo a não serem apenas fragmentos dispersos. Estas fontes trazem não apenas as perspectivas dos países envolvidos no conflito, mas também de indivíduos cujos anseios, medos e ideais representam a percepção de parte da população de seu contexto geográfico, em maior ou menor grau dependendo do caso.

A segunda são os boxes sobre perspectivas. Neles (cerca de sete durante todo o livro, principalmente no início e no fim), Sondhaus traz as principais perspectivas a respeito dos debates historiográficos mais pertinentes sobre o conflito. Um exemplo é o box presente nas páginas 20 e 21, onde Sondhaus apresenta duas opiniões divergentes sobre o início da guerra. De um lado, a opinião de que a Europa era um “barril de pólvora” prestes a explodir, enquanto outra aponta a Alemanha como responsável pelo conflito. Outros boxes discutem sobre o protagonismo da Áustria-Hungria diante da influência alemã, ou mesmo a discussão sobre o Tratado de Versalhes ser ou não responsável direto pela Segunda Guerra Mundial.

A terceira característica que amplifica a riqueza do livro são os cinco ensaios, micro-capítulos ao fim de determinados capítulos, que abordam questões mais específicas relativas à vida dos soldados participantes do conflito. No primeiro deles, temos o dia-a-dia no ANZAC, batalhão formado por tropas majoritariamente neozelandesas e australianas que participou da tentativa de invasão do Império Otomano em Galípoli. Derrotados, se tornaram um importante marco na história nacional da Nova Zelândia e da Austrália, sendo – segundo o autor – altamente ofensivo à memória destes países qualquer esforço de diminuição do sacrifício dos homens do ANZAC. Os embates em Galípoli, inclusive, se tornaram também parte da história nacional da Turquia.

O segundo ensaio tenta, de forma eficiente, dar uma noção do suplício que era a vida nas trincheiras, e o próprio conflito terrestre sendo levado a cabo a partir destas, enquanto o terceiro discute sobre a viagem de Lenin, da Alemanha à Rússia no “trem selado”. O quarto ensaio discute o dia-a-dia das tripulações dos submarinos alemães, enquanto o último discute o legado das trincheiras nas mentes, corpos e espíritos dos combatentes.

O livro é prodigioso, também, no esforço de não traçar relações de culpa e se alinhar a perspectivas muito específicas. É nítido que Lawrence Sondhaus se esforça em não tomar partido nos dois lados beligerantes da guerra, e busca dar a devida compreensão de aspectos da guerra como a conquista do voto pelas mulheres em alguns países e sua maior participação no mercado de trabalho, sem, no entanto, exagerar de forma excessivamente otimista quanto ao grau de alcance dessas conquistas.

O prefácio do livro inicia afirmando que

O objetivo deste livro é apresentar uma história global da Primeira Guerra Mundial, útil aos leitores em geral, bem como a estudantes de história e historiadores que procurem uma síntese atualizada dos trabalhos mais recentes sobre o assunto.

Nesse sentido, podemos afirmar que Lawrence Sondhaus cumpriu com êxito seu objetivo, em uma obra de cerca de 550 páginas. Lançado em 2013 no Brasil pela Editora Contexto, A Primeira Guerra Mundial desde já se tornou leitura obrigatória para pesquisadores sobre o conflito.


Preço médio: R$ 70,00