SONDHAUS, Lawrence. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Contexto, 2013.
A Primeira Guerra Mundial é, sem dúvida,
um dos eventos históricos com uma das mais vastas bibliografias à disposição.
No entanto, ao menos no que tange às publicações no Brasil, esta está muito
aquém da guerra que lhe sucedeu. Historiadores como René Rémond e Eric J.
Hobsbawn há tempos discutiram sobre esta ser ou não uma sequência direta da
primeira ou não, mas o fato é que tal perspectiva, ainda que seja bem recebida
no meio acadêmico, não muda o fato de que o número de publicações sobre as duas
guerras são desproporcionais, ao menos em nosso país.
A despeito do impacto social, político,
cultural e econômico que a Segunda Guerra Mundial teve sobre o globo, o
primeiro conflito foi, até aquele momento, uma guerra sem precedentes
históricos sequer semelhantes. Os conflitos culturais, econômicos, territoriais
e étnicos (para não citar outras características que o permearam) foram
responsáveis, após a escalada da violência, por significativas mudanças no mapa
da Europa, nas relações das potências europeias com suas colônias e países sob
suas esferas de influência. Elevaram-se a esperança de emancipação – ou ao
menos uma maior autonomia – de países como África do Sul, Namíbia, Índia e
Irlanda; foram cometidos crimes de guerra hediondos, como o massacre dos armênios
pelo Império Otomano, além do uso indiscriminado de armas de intensa crueldade,
proibidas após o conflito, como certas armas químicas; vimos a guerra submarina
indiscriminada, o primeiro uso de aviões em uma guerra e o surgimento dos
tanques como armas de combate importantes; vimos milhões de soldados perecerem
em trincheiras, demonstrando sua ineficiência a longo prazo; vimos a primeira revolução
de aspirações comunistas bem sucedida na história, tirando uma potência da
guerra e sacudindo o cenário político mundial, dada a suspeita de possibilidade
de crescimento de sua influência mundo afora.
Para os acadêmicos, principalmente
historiadores, que sentem certa defasagem no conteúdo em português sobre a
outrora conhecida como “Grande Guerra”, A
Primeira Guerra Mundial de Lawrence Sondhaus não apenas vem complementar a
bibliografia em português sobre o tema, mas chega como uma das obras mais
completas sobre o assunto. O livro tende a agradar a uma ampla gama de
públicos, desde aqueles que buscam descrições de conflitos em particular,
movimentação de batalhões e demais questões de cunho bélico (inclusive das
marinhas envolvidas, uma das especialidades de Sondhaus), aos que buscam os
meandros políticos e sociais, os quais qualquer pesquisador sobre o tema não
pode ignorar.
Além de ser uma obra muito abrangente e
bem organizada narrativamente (cada capítulo começa com um quadro cronológico
de eventos pertinente ao tema do capítulo em si, por exemplo), o livro ganha
pontos por seu didatismo e por ser uma obra muito atualizada, à luz das
discussões historiográficas mais pertinentes. Chamam a atenção, em pouco tempo
de leitura, três características da obra.
A primeira é a inserção de trechos de
fontes primárias; cartas, correspondências oficiais, declarações de independência,
relatos biográficos, entre outros. É vasto o número de vezes que tais inserções
aparecem, contextualizadas com a narrativa principal, de modo a não serem
apenas fragmentos dispersos. Estas fontes trazem não apenas as perspectivas dos
países envolvidos no conflito, mas também de indivíduos cujos anseios, medos e
ideais representam a percepção de parte da população de seu contexto
geográfico, em maior ou menor grau dependendo do caso.
A segunda são os boxes sobre
perspectivas. Neles (cerca de sete durante todo o livro, principalmente no
início e no fim), Sondhaus traz as principais perspectivas a respeito dos
debates historiográficos mais pertinentes sobre o conflito. Um exemplo é o box
presente nas páginas 20 e 21, onde Sondhaus apresenta duas opiniões divergentes
sobre o início da guerra. De um lado, a opinião de que a Europa era um “barril
de pólvora” prestes a explodir, enquanto outra aponta a Alemanha como
responsável pelo conflito. Outros boxes discutem sobre o protagonismo da
Áustria-Hungria diante da influência alemã, ou mesmo a discussão sobre o
Tratado de Versalhes ser ou não responsável direto pela Segunda Guerra Mundial.
A terceira característica que amplifica a
riqueza do livro são os cinco ensaios, micro-capítulos ao fim de determinados
capítulos, que abordam questões mais específicas relativas à vida dos soldados
participantes do conflito. No primeiro deles, temos o dia-a-dia no ANZAC,
batalhão formado por tropas majoritariamente neozelandesas e australianas que
participou da tentativa de invasão do Império Otomano em Galípoli. Derrotados,
se tornaram um importante marco na história nacional da Nova Zelândia e da
Austrália, sendo – segundo o autor – altamente ofensivo à memória destes países
qualquer esforço de diminuição do sacrifício dos homens do ANZAC. Os embates em
Galípoli, inclusive, se tornaram também parte da história nacional da Turquia.
O segundo ensaio tenta, de forma
eficiente, dar uma noção do suplício que era a vida nas trincheiras, e o
próprio conflito terrestre sendo levado a cabo a partir destas, enquanto o
terceiro discute sobre a viagem de Lenin, da Alemanha à Rússia no “trem selado”.
O quarto ensaio discute o dia-a-dia das tripulações dos submarinos alemães,
enquanto o último discute o legado das trincheiras nas mentes, corpos e
espíritos dos combatentes.
O livro é prodigioso, também, no esforço
de não traçar relações de culpa e se alinhar a perspectivas muito específicas.
É nítido que Lawrence Sondhaus se esforça em não tomar partido nos dois lados
beligerantes da guerra, e busca dar a devida compreensão de aspectos da guerra
como a conquista do voto pelas mulheres em alguns países e sua maior
participação no mercado de trabalho, sem, no entanto, exagerar de forma
excessivamente otimista quanto ao grau de alcance dessas conquistas.
O prefácio do livro inicia afirmando que
O objetivo deste livro é apresentar uma história global da
Primeira Guerra Mundial, útil aos leitores em geral, bem como a estudantes de
história e historiadores que procurem uma síntese atualizada dos trabalhos mais
recentes sobre o assunto.
Nesse sentido, podemos afirmar que
Lawrence Sondhaus cumpriu com êxito seu objetivo, em uma obra de cerca de 550
páginas. Lançado em 2013 no Brasil pela Editora Contexto, A Primeira Guerra Mundial desde já se tornou leitura obrigatória
para pesquisadores sobre o conflito.