PIPES, Richard. História concisa da Revolução Russa. Rio
de Janeiro: BestBolso, 2008.
Costumam ser apaixonados os
debates acerca de certos eventos históricos, enxergados como divisores de água
no que concernem à política, economia, sociedade, ideologia, cultura, entre
outros fatores – ainda que pudéssemos dissertar longamente sobre cada um desses
exemplos. E um dos eventos que não foge a estes debates é a Revolução Russa.
O evento, ocorrido em 1917 em
pleno curso da Grande Guerra, futuramente consolidada como Primeira Guerra
Mundial, causou grande impacto no mundo (talvez possamos dizer que,
principalmente, impactou no ‘mundo ocidental’). Dava-se, em um país de
proporções geográficas continentais, mas muito atrasado economicamente, a
primeira revolução que advogava para si o rótulo de comunista, uma fagulha de
esperança para os grupos comunistas de diversos países, principalmente das
grandes potências europeias; isso se dava, também, pelo fato da Revolução Russa
ambicionar ser não uma revolução nacional, mas mundial.
O presente livro é uma destas obras fortemente movidas por paixão em sua profunda análise
(ainda que chamada de concisa) sobre a Revolução Russa como evento, suas
causas, conseqüências e articulação com a sociedade russa (e com as dos demais
países com os quais se relacionou) em geral. Contudo , não se trata do trabalho de um
pesquisador alinhado ideologicamente com o comunismo, mas seu extremo oposto.
Um dos argumentos-chave do autor
em relação aos eventos de 1917 na Rússia é o de que o que ocorreu na Rússia não
foi uma Revolução, mas um golpe de estado, feito na surdina – ou seja, sem
participação popular. Pipes afirma que uma porcentagem ínfima da população
estava do lado dos bolcheviques no processo de tomada do poder, e que a maioria
esmagadora do país sequer sabia o que se passava em Petrogrado. Além
do mais, segundo o autor, essa mesma maioria foi deveras hostil ao governo
instaurado por Lênin, que aqui é mostrado como um líder fanático e cruel; um
novo Czar que, tão autoritário quanto os mais autoritários czares que passaram
pela Rússia, condenava centenas e/ou milhares à morte apenas para atingir seus
objetivos políticos.
“Para o autor destas linhas, que
estudou o assunto durante a maior parte de sua vida, a Revolução Russa
descortina uma tragédia, cujas cenas se sucedem inexoravelmente a partir da
mentalidade e do caráter de seus protagonistas” (p. 15); é desta forma que
Pipes enxerga a tomada do poder pelos mais radicais do partido bolchevique,
rechaçando com veemência os argumentos daqueles que defendem que a Revolução
era inevitável. Para ele, essa suposta inevitabilidade só é enxergada olhando
em perspectiva após os eventos, pois muitos teriam sido os fatores objetivos
que, por muito pouco, não levaram o movimento a um fracasso retumbante. Pipes
cita Trotsky, que teria afirmado que, se ele e Lênin não estivessem em
Petrogrado no momento da revolução, ela não teria acontecido. “Que fato
histórico ‘inevitável’ pode depender de dois indivíduos?”, questiona o autor
(p. 403).
Richard Pipes apresenta um
detalhado panorama histórico dos eventos que desembocaram na Revolução de
outubro. Para ele, após a abdicação do czar Nicolau II (por comprometimento com
o bem da Rússia, segundo Pipes), o governo provisório instalado dava mostras de
uma abertura democrática sem precedentes na Rússia. Este governo, composto por
moderados que desprezavam os bolcheviques pelo seu fanatismo, é defendido por
Pipes como tendo sido a melhor oportunidade da Rússia deixar seu atraso para
trás e resolver, de forma pragmática e mais condizente com os desejos da maior
parte do povo russo, as questões que afligiam o país. O autor defende que os
bolcheviques, vendo o campesinato como contra-revolucionário, focavam seus
esforços nos operários, parcela minúscula dos trabalhadores de um país
predominantemente agrário e atrasado do ponto de vista industrial, e que tal
postura era suficiente para demonstrar o quanto o governo bolchevique estava
longe de quaisquer auspícios democráticos.
O autor argumenta que a intelligentsia, o pequeno grupo de
intelectuais revolucionários em tempo integral, eram os verdadeiros desejosos
da Revolução, e não o povo russo. Este desejo teria partido muito mais de
posicionamentos e preconceitos ideológicos fanáticos do que de condições
objetivas que apontassem um desejo popular por uma reforma radical.
Sem dúvida alguma, Pipes dedica
muito tempo do seu livro a criticar as incitações de Lênin a uma Guerra Civil,
o terror vermelho, as execuções sem julgamento, o fechamento de toda imprensa
independente, o controle de toda informação – tanto no país quanto a que era
enviada para o exterior –, os confiscos forçados de grãos e terras, que teria
culminado na grande fome entre 1920 e 1921, entre tantos outros fracassos da
gestão de Lênin, no que concerne ao bem-estar da população. Se o objetivo era a
manutenção de poder no partido bolchevique, tornado único, todos os esforços
resultaram em sucesso.
Aliás , o autor defende que o regime bolchevique foi um
fracasso enorme, sendo bem sucedido apenas em manter-se no poder.
Outra reflexão de Pipes é a de
que, para tomar o poder e permanecer nele, Lênin e seus seguidores distorceram
o marxismo de todos os modos possíveis. Um dos argumentos para defender este
ponto é o de que, segundo Marx, a sociedade capitalista deveria amadurecer até
que suas contradições internas conduzissem-na ao fracasso; os bolcheviques, no
entanto, teriam tomado um dos países mais atrasados economicamente na Europa,
onde “o capitalismo mal aprendera a dar seus primeiros passos” (p. 407).
Pipes também afirma que, ao
contrário do que muitos esquerdistas defenderam durante os anos, Stalin e Lênin
eram muito parecidos. O primeiro teria seguido à risca a receita de expurgos,
autoritarismo, assassinatos, confiscos, entre tantas outras atrocidades
praticadas pelo partido quando Lênin se encontrava no poder. O autor,
inclusive, traz dados demográficos que aponta uma diminuição de mais de 12
milhões de habitantes na Rússia entre outubro de 1917 e o início de 1922, isso
desconsiderando o fato de que, num contexto normal, a tendência seria a
população aumentar pela taxa de natalidade. A única diferença que o autor
pontua entre Lênin e seu sucessor era a de que o primeiro não executava seus
aliados, como fez Stalin.
Como os pontos levantados até
agora deixam óbvio, trata-se de uma obra abertamente parcial, ainda que
qualquer historiador entenda que não há imparcialidade na história. Pipes,
inclusive, defende sua parcialidade, afirmando que o historiador deve ser
imparcial apenas na coleta de fontes, dados e informações, e sua opinião e
visão dos eventos deve estar presente no desenvolvimento da análise com esses
dados e fontes, ainda que essa parcialidade não deva pautar as escolhas dos historiadores
sobre o que contar e o que omitir, de forma leviana. Esse último ponto me
parece o mais contraditório; mesmo quando Pipes aponta algumas atitudes do
governo bolchevique que julga interessantes, o faz de forma depreciativa e faz
questão de conduzir sua narrativa de forma a focar menos nos atos e mais nos
seus fracassos.
Particularmente, não sou
simpatizante do governo soviético, tampouco de seus principais nomes – alguns
dos quais muito adorados. Minhas percepções acerca de uma série de pontos se
alinham com as de Pipes, principalmente no que concernem ao despotismo e a
todas as mortes ocorridas por atitudes do partido bolchevique em sua busca pela
permanência no comando da Rússia. Contudo, Pipes conduz sua narrativa de forma
tão enfática – quase fanática – que, apesar deste livro ser uma leitura fácil,
acaba sendo um tanto incômoda. Fica no ar a sensação de que diversos
contrapontos foram omitidos para solidificar os pontos que Pipes quer dar
ênfase.
Recomendo este livro como leitura
complementar a todos que estudam a Revolução Russa e o governo soviético.
Contudo, se esta for sua primeira leitura sobre o assunto, recomendo a busca de
livros com outras perspectivas, de modo a contribuir para uma construção mais
abrangente de suas impressões sobre um evento tão importante – para o bem ou
para o mal – no século XX.
Preço médio: R$ 20,00