30 de dezembro de 2013

Richard Pipes - História concisa da Revolução Russa

PIPES, Richard. História concisa da Revolução Russa. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008.

Costumam ser apaixonados os debates acerca de certos eventos históricos, enxergados como divisores de água no que concernem à política, economia, sociedade, ideologia, cultura, entre outros fatores – ainda que pudéssemos dissertar longamente sobre cada um desses exemplos. E um dos eventos que não foge a estes debates é a Revolução Russa.

O evento, ocorrido em 1917 em pleno curso da Grande Guerra, futuramente consolidada como Primeira Guerra Mundial, causou grande impacto no mundo (talvez possamos dizer que, principalmente, impactou no ‘mundo ocidental’). Dava-se, em um país de proporções geográficas continentais, mas muito atrasado economicamente, a primeira revolução que advogava para si o rótulo de comunista, uma fagulha de esperança para os grupos comunistas de diversos países, principalmente das grandes potências europeias; isso se dava, também, pelo fato da Revolução Russa ambicionar ser não uma revolução nacional, mas mundial.

O presente livro é uma destas obras fortemente movidas por paixão em sua profunda análise (ainda que chamada de concisa) sobre a Revolução Russa como evento, suas causas, conseqüências e articulação com a sociedade russa (e com as dos demais países com os quais se relacionou) em geral. Contudo, não se trata do trabalho de um pesquisador alinhado ideologicamente com o comunismo, mas seu extremo oposto.

Richard Pipes é um historiador especialista na história da Rússia, principalmente na União Soviética. Fortemente anticomunista, encabeçou as principais equipes de analistas formadas pelo governo dos EUA durante a Guerra Fria, e em 1976 comandou o “Time B”, um grupo de analistas formado pela CIA para avaliar as capacidades estratégicas e os objetivos militares da URSS. Com esse currículo, temos uma ideia do que esperar de História concisa da Revolução Russa, mas apenas sua leitura é capaz de nos dar uma dimensão da repulsa de Pipes pelos artífices da Revolução.

Um dos argumentos-chave do autor em relação aos eventos de 1917 na Rússia é o de que o que ocorreu na Rússia não foi uma Revolução, mas um golpe de estado, feito na surdina – ou seja, sem participação popular. Pipes afirma que uma porcentagem ínfima da população estava do lado dos bolcheviques no processo de tomada do poder, e que a maioria esmagadora do país sequer sabia o que se passava em Petrogrado. Além do mais, segundo o autor, essa mesma maioria foi deveras hostil ao governo instaurado por Lênin, que aqui é mostrado como um líder fanático e cruel; um novo Czar que, tão autoritário quanto os mais autoritários czares que passaram pela Rússia, condenava centenas e/ou milhares à morte apenas para atingir seus objetivos políticos.

“Para o autor destas linhas, que estudou o assunto durante a maior parte de sua vida, a Revolução Russa descortina uma tragédia, cujas cenas se sucedem inexoravelmente a partir da mentalidade e do caráter de seus protagonistas” (p. 15); é desta forma que Pipes enxerga a tomada do poder pelos mais radicais do partido bolchevique, rechaçando com veemência os argumentos daqueles que defendem que a Revolução era inevitável. Para ele, essa suposta inevitabilidade só é enxergada olhando em perspectiva após os eventos, pois muitos teriam sido os fatores objetivos que, por muito pouco, não levaram o movimento a um fracasso retumbante. Pipes cita Trotsky, que teria afirmado que, se ele e Lênin não estivessem em Petrogrado no momento da revolução, ela não teria acontecido. “Que fato histórico ‘inevitável’ pode depender de dois indivíduos?”, questiona o autor (p. 403).

Richard Pipes apresenta um detalhado panorama histórico dos eventos que desembocaram na Revolução de outubro. Para ele, após a abdicação do czar Nicolau II (por comprometimento com o bem da Rússia, segundo Pipes), o governo provisório instalado dava mostras de uma abertura democrática sem precedentes na Rússia. Este governo, composto por moderados que desprezavam os bolcheviques pelo seu fanatismo, é defendido por Pipes como tendo sido a melhor oportunidade da Rússia deixar seu atraso para trás e resolver, de forma pragmática e mais condizente com os desejos da maior parte do povo russo, as questões que afligiam o país. O autor defende que os bolcheviques, vendo o campesinato como contra-revolucionário, focavam seus esforços nos operários, parcela minúscula dos trabalhadores de um país predominantemente agrário e atrasado do ponto de vista industrial, e que tal postura era suficiente para demonstrar o quanto o governo bolchevique estava longe de quaisquer auspícios democráticos.

O autor argumenta que a intelligentsia, o pequeno grupo de intelectuais revolucionários em tempo integral, eram os verdadeiros desejosos da Revolução, e não o povo russo. Este desejo teria partido muito mais de posicionamentos e preconceitos ideológicos fanáticos do que de condições objetivas que apontassem um desejo popular por uma reforma radical.

Sem dúvida alguma, Pipes dedica muito tempo do seu livro a criticar as incitações de Lênin a uma Guerra Civil, o terror vermelho, as execuções sem julgamento, o fechamento de toda imprensa independente, o controle de toda informação – tanto no país quanto a que era enviada para o exterior –, os confiscos forçados de grãos e terras, que teria culminado na grande fome entre 1920 e 1921, entre tantos outros fracassos da gestão de Lênin, no que concerne ao bem-estar da população. Se o objetivo era a manutenção de poder no partido bolchevique, tornado único, todos os esforços resultaram em sucesso. Aliás, o autor defende que o regime bolchevique foi um fracasso enorme, sendo bem sucedido apenas em manter-se no poder.

Outra reflexão de Pipes é a de que, para tomar o poder e permanecer nele, Lênin e seus seguidores distorceram o marxismo de todos os modos possíveis. Um dos argumentos para defender este ponto é o de que, segundo Marx, a sociedade capitalista deveria amadurecer até que suas contradições internas conduzissem-na ao fracasso; os bolcheviques, no entanto, teriam tomado um dos países mais atrasados economicamente na Europa, onde “o capitalismo mal aprendera a dar seus primeiros passos” (p. 407).

Pipes também afirma que, ao contrário do que muitos esquerdistas defenderam durante os anos, Stalin e Lênin eram muito parecidos. O primeiro teria seguido à risca a receita de expurgos, autoritarismo, assassinatos, confiscos, entre tantas outras atrocidades praticadas pelo partido quando Lênin se encontrava no poder. O autor, inclusive, traz dados demográficos que aponta uma diminuição de mais de 12 milhões de habitantes na Rússia entre outubro de 1917 e o início de 1922, isso desconsiderando o fato de que, num contexto normal, a tendência seria a população aumentar pela taxa de natalidade. A única diferença que o autor pontua entre Lênin e seu sucessor era a de que o primeiro não executava seus aliados, como fez Stalin.

Como os pontos levantados até agora deixam óbvio, trata-se de uma obra abertamente parcial, ainda que qualquer historiador entenda que não há imparcialidade na história. Pipes, inclusive, defende sua parcialidade, afirmando que o historiador deve ser imparcial apenas na coleta de fontes, dados e informações, e sua opinião e visão dos eventos deve estar presente no desenvolvimento da análise com esses dados e fontes, ainda que essa parcialidade não deva pautar as escolhas dos historiadores sobre o que contar e o que omitir, de forma leviana. Esse último ponto me parece o mais contraditório; mesmo quando Pipes aponta algumas atitudes do governo bolchevique que julga interessantes, o faz de forma depreciativa e faz questão de conduzir sua narrativa de forma a focar menos nos atos e mais nos seus fracassos.

Particularmente, não sou simpatizante do governo soviético, tampouco de seus principais nomes – alguns dos quais muito adorados. Minhas percepções acerca de uma série de pontos se alinham com as de Pipes, principalmente no que concernem ao despotismo e a todas as mortes ocorridas por atitudes do partido bolchevique em sua busca pela permanência no comando da Rússia. Contudo, Pipes conduz sua narrativa de forma tão enfática – quase fanática – que, apesar deste livro ser uma leitura fácil, acaba sendo um tanto incômoda. Fica no ar a sensação de que diversos contrapontos foram omitidos para solidificar os pontos que Pipes quer dar ênfase.

Recomendo este livro como leitura complementar a todos que estudam a Revolução Russa e o governo soviético. Contudo, se esta for sua primeira leitura sobre o assunto, recomendo a busca de livros com outras perspectivas, de modo a contribuir para uma construção mais abrangente de suas impressões sobre um evento tão importante – para o bem ou para o mal – no século XX.

Preço médio: R$ 20,00