23 de dezembro de 2013

Chalmers Johnson - As aflições do império

JOHNSON, Chalmers. As aflições do império. Rio de Janeiro: Record, 2007.

O número de publicações e estudos acadêmicos nas mais diversas áreas das ciências humanas concernentes ao imperialismo e o militarismo estadunidense cresceu tremendamente após os atentados ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, e ainda mais após a declaração de guerra ao Iraque, dando seguimento, de certa maneira, à Guerra do Golfo, travada cerca de dez anos antes. Não é a toa que a Guerra do Iraque é chamada por muitos de “Segunda Guerra do Golfo”. A obra aqui avaliada é uma destas.

Autor de outras obras de ataque ao imperialismo estadunidense através do globo, Chalmers Johnson dedica em seu As aflições do império: militarismo, operações secretas e o fim da república um grande espaço de modo a dissertar sobre, entre outras coisas, a criação de uma “Nova Roma” por parte dos Estados Unidos e a ampliação da área de atuação de suas bases militares através do globo. Johnson defende que os EUA criaram um império de bases, e que a manutenção desse império, longe de existir apenas por influência política, ideológica e econômica, é tocada através do poderio militar.

Johnson apoia seus argumentos em uma série de dados, como o número de cerca de meio milhão de soldados, técnicos, espiões, construtores civis espalhados pelas bases no exterior, entre outros. Impondo suas zonas de influência na base da força, os gastos militares do governo estadunidense ultrapassam a soma dos gastos de outros países militarmente poderosos juntos. Como compreender, então, o aval de, possivelmente, a maior parte da população do país durante o conflito quanto aos gastos em questão?

Johnson, assim como Noam Chomsky, Douglas Kellner, Carol Brightman e tantos outros, compreende que esse aval têm a necessidade de estar respaldado por uma propaganda massiva, objetivando criar medo e insegurança na população, de modo a aceitar passivamente gastos exorbitantes e agressões violentas à soberania de outros países em troca de uma suposta segurança, que a cada dia se mostra tênue. A suposta guerra contra o terrorismo não impediu que, no passar dos anos, outros atentados ocorressem.

Johnson dedica os primeiros capítulos a articular as relações entre a propaganda e o imperialismo estadunidense, buscando respaldo histórico ao citar a intervenção em Cuba, a guerra contra a Espanha após o afundamento do Maine e a paranoia incentivada pela imprensa quanto a este fato, entre outras questões, além de citar o óbvio exemplo da Guerra Fria, responsável pelo crescente militarismo nos EUA, ao contrário da desejada desmobilização do exército após a Segunda Guerra Mundial. Desnecessário dizer, o acompanhamento das questões acerca da propaganda segue até meados de 2003 e adiante, demonstrando como se dá o aliciamento de jovens, exemplificando slogans sedutores e as promessas carreiristas que um exército de voluntários com tanta demanda necessita para não apenas sobreviver, mas se expandir.

O terror doméstico da propaganda durante a administração Bush, acerca das supostas armas de destruição em massa iraquianas dava combustível à paranoia belicista. No início da ofensiva ao Afeganistão, praticamente todas as informações disponíveis ao público ou ao congresso tinham origem no Pentágono, resultado da supressão de informações desfavoráveis ao governo.

O autor não deixa de estudar as questões econômicas envolvidas com o conflito. Não falo apenas a respeito de gastos excessivos e licitações cuja transparência é questionável, mas aos interesses particulares de diversos nomes do staff da administração do governo de George W. Bush. A ligação de alguns deles com a Chevron, Halliburton e outras companhias petrolíferas é um interessante indicativo de motivos escusos na empreitada militar ao Iraque, segunda maior fonte de petróleo acessível e barato do mundo.

Johnson também dedica espaço para dissertar como o próprio imperialismo estadunidense com o passar do tempo foi responsável por problemas futuros. A exemplo, citemos o apoio de cerca de dois bilhões de dólares aos mujahideen no Afeganistão, os quais tomaram conta informalmente do país após a derrota da União Soviética. Voltando-se contra os EUA, alguns dos seus integrantes foram responsáveis pelo atentado ao World Trade Center.

Cito, abaixo, um trecho na íntegra do livro, presente na página 215 da edição brasileira, que explicita melhor a posição do autor do que qualquer avaliação de minha parte:

Guerras e imperialismo são irmãos siameses unidos pelos quadris. Cada um se alimenta do outro. Não podem ser separados. O imperialismo é a maior causa da guerra e guerra é a parteira de novas aquisições imperialistas. As guerras são feitas porque os líderes políticos convencem o povo que o uso da força armada é necessário para defender o país ou alcançar algum objetivo abstrato – a independência de Cuba da Espanha, prevenir uma vitória comunista na guerra civil coreana, manter as repúblicas das bananas da América Central no “mundo livre” ou mesmo levar a democracia ao Iraque. Para uma grande potência, travar uma guerra que não seja para defender a pátria requer geralmente bases militares no exterior por motivos estratégicos. Depois que a guerra termina, é forte a tentação de o vitorioso reter tais bases, e é muito fácil encontrar justificativas para isso.

Obras como As aflições do império são especialmente úteis, tanto para residentes nos EUA quanto para estrangeiros, para a compreensão de como as guerras imperialistas incentivadas ou iniciadas pelo governo estadunidense ocorrem. Ainda que muitos acusem livros como este de dar voz a supostas teorias de conspiração, generalizar eventos (como os estupros e violência dos militares estadunidenses residentes nas bases estrangeiras contra a população dos arredores), entre outras coisas, é indispensável estar ciente dos perigos da propaganda alinhada a interesses particulares e a ideologias de caráter expansionista. Estar preparado para avaliar criticamente tais eventos e questionar toda informação recebida deve ser privilégio não apenas de acadêmicos ou estudiosos das ciências humanas, mas de todos. E esta leitura muito contribui para o desenvolvimento de tal postura. Altamente recomendado.

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