JOHNSON, Chalmers. As aflições do império. Rio de Janeiro:
Record, 2007.
O número de publicações e estudos
acadêmicos nas mais diversas áreas das ciências humanas concernentes ao
imperialismo e o militarismo estadunidense cresceu tremendamente após os atentados
ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, e ainda mais após a
declaração de guerra ao Iraque, dando seguimento, de certa maneira, à Guerra do
Golfo, travada cerca de dez anos antes. Não é a toa que a Guerra do Iraque é
chamada por muitos de “Segunda Guerra do Golfo”. A obra aqui avaliada é uma
destas.
Autor de outras obras de ataque
ao imperialismo estadunidense através do globo, Chalmers Johnson dedica em seu As aflições do império: militarismo, operações
secretas e o fim da república um grande espaço de modo a dissertar sobre, entre
outras coisas, a criação de uma “Nova Roma” por parte dos Estados Unidos e a
ampliação da área de atuação de suas bases militares através do globo. Johnson
defende que os EUA criaram um império de bases, e que a manutenção desse
império, longe de existir apenas por influência política, ideológica e
econômica, é tocada através do poderio militar.
Johnson apoia seus argumentos em
uma série de dados, como o número de cerca de meio milhão de soldados,
técnicos, espiões, construtores civis espalhados pelas bases no exterior, entre
outros. Impondo suas zonas de influência na base da força, os gastos militares
do governo estadunidense ultrapassam a soma dos gastos de outros países
militarmente poderosos juntos. Como compreender, então, o aval de,
possivelmente, a maior parte da população do país durante o conflito quanto aos
gastos em questão?
Johnson, assim como Noam Chomsky,
Douglas Kellner, Carol Brightman e tantos outros, compreende que esse aval têm
a necessidade de estar respaldado por uma propaganda massiva, objetivando criar
medo e insegurança na população, de modo a aceitar passivamente gastos
exorbitantes e agressões violentas à soberania de outros países em troca de uma
suposta segurança, que a cada dia se mostra tênue. A suposta guerra contra o
terrorismo não impediu que, no passar dos anos, outros atentados ocorressem.
Johnson dedica os primeiros
capítulos a articular as relações entre a propaganda e o imperialismo
estadunidense, buscando respaldo histórico ao citar a intervenção em Cuba, a
guerra contra a Espanha após o afundamento do Maine e a paranoia incentivada
pela imprensa quanto a este fato, entre outras questões, além de citar o óbvio
exemplo da Guerra Fria, responsável pelo crescente militarismo nos EUA, ao
contrário da desejada desmobilização do exército após a Segunda Guerra Mundial.
Desnecessário dizer, o acompanhamento das questões acerca da propaganda segue
até meados de 2003 e adiante, demonstrando como se dá o aliciamento de jovens,
exemplificando slogans sedutores e as promessas carreiristas que um exército de
voluntários com tanta demanda necessita para não apenas sobreviver, mas se
expandir.
O terror doméstico da propaganda
durante a administração Bush, acerca das supostas armas de destruição em massa
iraquianas dava combustível à paranoia belicista. No início da ofensiva ao
Afeganistão, praticamente todas as informações disponíveis ao público ou ao
congresso tinham origem no Pentágono, resultado da supressão de informações
desfavoráveis ao governo.
O autor não deixa de estudar as
questões econômicas envolvidas com o conflito. Não falo apenas a respeito de
gastos excessivos e licitações cuja transparência é questionável, mas aos
interesses particulares de diversos nomes do staff da administração do governo de George W. Bush. A ligação de
alguns deles com a Chevron, Halliburton e outras companhias petrolíferas é um
interessante indicativo de motivos escusos na empreitada militar ao Iraque,
segunda maior fonte de petróleo acessível e barato do mundo.
Johnson também dedica espaço para
dissertar como o próprio imperialismo estadunidense com o passar do tempo foi
responsável por problemas futuros. A exemplo, citemos o apoio de cerca de dois
bilhões de dólares aos mujahideen no
Afeganistão, os quais tomaram conta informalmente do país após a derrota da
União Soviética. Voltando-se contra os EUA, alguns dos seus integrantes foram
responsáveis pelo atentado ao World Trade Center.
Cito, abaixo, um trecho na
íntegra do livro, presente na página 215 da edição brasileira, que explicita
melhor a posição do autor do que qualquer avaliação de minha parte:
Guerras e imperialismo são irmãos siameses
unidos pelos quadris. Cada um se alimenta do outro. Não podem ser separados. O
imperialismo é a maior causa da guerra e guerra é a parteira de novas
aquisições imperialistas. As guerras são feitas porque os líderes políticos
convencem o povo que o uso da força armada é necessário para defender o país ou
alcançar algum objetivo abstrato – a independência de Cuba da Espanha, prevenir
uma vitória comunista na guerra civil coreana, manter as repúblicas das bananas
da América Central no “mundo livre” ou mesmo levar a democracia ao Iraque. Para
uma grande potência, travar uma guerra que não seja para defender a pátria
requer geralmente bases militares no exterior por motivos estratégicos. Depois
que a guerra termina, é forte a tentação de o vitorioso reter tais bases, e é
muito fácil encontrar justificativas para isso.
Obras como As aflições do império são especialmente úteis, tanto para
residentes nos EUA quanto para estrangeiros, para a compreensão de como as
guerras imperialistas incentivadas ou iniciadas pelo governo estadunidense
ocorrem. Ainda que muitos acusem livros como este de dar voz a supostas teorias
de conspiração, generalizar eventos (como os estupros e violência dos
militares estadunidenses residentes nas bases estrangeiras contra a população
dos arredores), entre outras coisas, é indispensável estar ciente dos perigos
da propaganda alinhada a interesses particulares e a ideologias de caráter
expansionista. Estar preparado para avaliar criticamente tais eventos e
questionar toda informação recebida deve ser privilégio não apenas de
acadêmicos ou estudiosos das ciências humanas, mas de todos. E esta leitura
muito contribui para o desenvolvimento de tal postura. Altamente recomendado.
Preço médio: R$ 50,00