WALSER, Robert. Running with the devil: power, gender, and madness in heavy metal
music. Middletown : Wesleyan University
Press, 1993.
Heavy metal. Um gênero musical que, em termos gerais, é pouco
atraente do ponto de vista mercadológico – salvo momentos em particular, como
em meados dos anos 1980 –, mas que há cerca de quarenta anos apresenta um
crescimento ininterrupto. Contribui com o desenvolvimento de identidades,
coletivas e individuais, e teve impacto no desenvolvimento da música em geral,
em maior ou menor grau.
Sendo um fenômeno com tal impacto
na cultura popular do século XX, é interessante perceber que os principais
estudos acadêmicos a respeito do heavy
metal como fenômeno social tenham surgido apenas a partir dos anos 1980. O
contexto do mercado fonográfico dos Estados Unidos, local onde alguns desses
estudos surgiram, certamente ajuda a compreender este ímpeto, mas foi também
necessário que algumas das principais polêmicas que envolvem o heavy metal ganhassem mais espaço na
mídia para que o gênero, como fenômeno, ganhasse mais atenção.
Robert Walser, musicólogo e
diretor do Center for Popular Music
Studies do Departamento de Música da Case
Western Reserve University, aceitou o desafio de avaliar o heavy metal não
apenas do ponto de vista musical, mas também social. Em Running with the devil: power, gender, and madness in heavy metal music,
Walser se propõe a fazer um apanhado das principais características que definem
o gênero – a despeito do número gigantesco de subgêneros surgidos com o passar
do tempo.
Em seu início, a obra discute a
mediação comercial sobre o heavy metal,
fazendo uma rápida contextualização que leva aos anos 1980, indiscutivelmente o
momento de ápice do estilo. Neste primeiro capítulo, além de nos situar
historicamente, Walser faz um apanhado da produção acadêmica e as críticas do
período a respeito do heavy metal a
partir dos anos 1980, ressaltando principalmente seus problemas, relacionados
geralmente a desconhecimento e preconceitos. Afinal, ao contrário do que o
público que desconhece o gênero costuma aparentar acreditar, o heavy metal e seus adeptos (músicos e
fãs) não possuem um padrão facilmente definível a respeito de sonoridade,
letras, visual e comportamento. Como o autor pontua, o heavy metal não é monolítico (p. 3-4).
Walser apresenta, na segunda
categoria, o heavy metal – mais
precisamente suas mensagens líricas e musicais – como discurso. De certa forma,
este conceito não está tão distante das ideias de Douglas Kellner a respeito do
rap como um ‘fórum cultural’, onde
são discutidas perspectivas, pontos de vista e questões em geral sobre o
contexto social daqueles que produzem o conteúdo em questão. Relacionando
esse discurso à análise musical – algo indispensável para qualquer estudioso
sério que se preze a ter música como fonte de estudo –, Walser pontua que, ao analisar as músicas, muitos
pretensos estudiosos avaliam apenas a parte lírica das obras, o que empobrece –
e mais comumente inviabiliza – uma análise satisfatória da música como objeto
de análise acadêmica.
Nesse sentido, apresentar o heavy metal como discurso significa
mostrá-lo como portador de significados que vão além da letra e abraçam uma
série de elementos e práticas. Seu valor, do ponto de vista de uma história
social da cultura reside no fato de que estes objetos estão intrinsecamente
ligados ao contexto social no qual são produzidos.
Em seguida, Walser dedica um
capítulo a avaliar as estreitas relações entre a virtuose da ‘música clássica’
e a virtuose dos grandes guitarristas do heavy
metal, demonstrando como, além de outras óbvias influências musicais como o
blues, o heavy metal deve muito de sua identidade estética à música
clássica; algo que, longe de ser negado, costuma ser ressaltado por fãs e
críticos musicais favoráveis ao gênero como elemento de distinção e prestígio.
Para desenvolver sua
argumentação, Walser analisa (temos aí a parte do livro onde a parte de
musicologia mais aparece) músicas em particular de grandes guitarristas: Richie
Blackmore e a música Highway Star, do
Deep Purple (banda onde o guitarrista esteve presente durante sua formação mais
aclamada); Eddie Van Halen e sua Eruption,
relacionando algumas das técnicas que Eddie utiliza com Vivaldi; Randy Rhoads,
guitarrista do início da carreira solo de Ozzy Osbourne, outro guitarrista de
formação clássica (por parte de seus pais músicos), que mesmo morto
prematuramente em um acidente, ainda é muito influente para os amantes do
instrumento; Yngwie Malmsteen, guitarrista sueco que trouxe uma verdadeira
revolução na forma como alguns guitarristas tocavam guitarra, se aproximando
tanto de elementos clássicos que passou a ser constantemente comparado ao
virtuoso violinista Niccolo Paganini.
No capítulo quatro a parte
musical perde um pouco do destaque para as questões de gênero que envolvem o heavy metal. Walser demonstra como
ocorre a exclusão das mulheres da cena musical do estilo, dá demonstrações de
como certas bandas, em algumas músicas, se vitimizam diante do feminino (como no
citado caso da música The Kiss of Death,
da banda Dokken, relacionada ao HIV e colocando genericamente as mulheres como
perigosas no que concerne à infecção) e, por fim, avalia os elementos
românticos e a cena do glam rock dos
anos 1980 em geral, incluindo os elementos andróginos presentes naquele contexto.
No último capítulo, talvez o mais
interessante do ponto de vista social, Walser discute os ataques que a música –
especialmente o heavy metal –
receberam durante os anos 1980 e as tentativas de censura, principalmente do
PMRC, órgão formado pelas esposas de influentes senadores dos Estados Unidos,
religiosas em uma cruzada para censurar todos os produtos da indústria cultural
que atacassem a moral e os pilares do puritanismo religioso. Walser derruba
todos os principais argumentos do órgão com maestria.
No mesmo capítulo, Walser
apresenta uma discussão sobre a presença do misticismo no heavy metal, fazendo uma discussão cujas conclusões se assemelham
muito ao que Douglas Kellner discutiu em A
cultura da mídia a respeito de filmes como Poltergeist, onde os elementos místicos ou de terror são
representações de temores sociais reais, apresentados de forma fantasiada de
modo a serem menos assustadores e impactantes, como uma espécie de escapismo
lúdico carregado de significados identificáveis a respeito de uma situação
social real.
Ainda neste capítulo, Walser
apresenta os estudos de Danny Sugerman sobre o sucesso do álbum Appetite for Destruction, do Guns ‘N’
Roses, como resultado de suas representações cruas e de fácil identificação com
classes oprimidas; suas músicas bateriam de frente com a realidade das ruas de
Los Angeles (como representantes de um panorama muito maior) e de seus
excluídos; drogados, prostitutas e outros indivíduos considerados indesejáveis.
Sugerman chega a relacionar as perspectivas da banda aos escritos de Marx e
Engels.
Apesar de, infelizmente, não
possuir tradução para a língua portuguesa, arrisco a dizer que este é um dos
melhores livros acadêmicos sobre o heavy
metal com o qual já tive contato. Ele não se pretende como obra de apresentação
da história do gênero (algo que, no que concerne ao heavy metal, tem permanecido no escopo dos jornalistas), mas as
discussões que Walser traz à tona são importantíssimas para qualquer debate que
se pretenda sério sobre o estilo. O autor derruba preconceitos, apresenta
argumentos muito sólidos ao defender seus pontos de vista e acaba nos
apresentando uma obra obrigatória para quem anseia estudar o heavy metal a sério, livre de
preconceitos, ‘achismos’ e deduções sem embasamento.
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