22 de dezembro de 2013

Robert Walser - Running with the devil

WALSER, Robert. Running with the devil: power, gender, and madness in heavy metal music. Middletown: Wesleyan University Press, 1993.

Heavy metal. Um gênero musical que, em termos gerais, é pouco atraente do ponto de vista mercadológico – salvo momentos em particular, como em meados dos anos 1980 –, mas que há cerca de quarenta anos apresenta um crescimento ininterrupto. Contribui com o desenvolvimento de identidades, coletivas e individuais, e teve impacto no desenvolvimento da música em geral, em maior ou menor grau.

Sendo um fenômeno com tal impacto na cultura popular do século XX, é interessante perceber que os principais estudos acadêmicos a respeito do heavy metal como fenômeno social tenham surgido apenas a partir dos anos 1980. O contexto do mercado fonográfico dos Estados Unidos, local onde alguns desses estudos surgiram, certamente ajuda a compreender este ímpeto, mas foi também necessário que algumas das principais polêmicas que envolvem o heavy metal ganhassem mais espaço na mídia para que o gênero, como fenômeno, ganhasse mais atenção.

Robert Walser, musicólogo e diretor do Center for Popular Music Studies do Departamento de Música da Case Western Reserve University, aceitou o desafio de avaliar o heavy metal não apenas do ponto de vista musical, mas também social. Em Running with the devil: power, gender, and madness in heavy metal music, Walser se propõe a fazer um apanhado das principais características que definem o gênero – a despeito do número gigantesco de subgêneros surgidos com o passar do tempo.

Em seu início, a obra discute a mediação comercial sobre o heavy metal, fazendo uma rápida contextualização que leva aos anos 1980, indiscutivelmente o momento de ápice do estilo. Neste primeiro capítulo, além de nos situar historicamente, Walser faz um apanhado da produção acadêmica e as críticas do período a respeito do heavy metal a partir dos anos 1980, ressaltando principalmente seus problemas, relacionados geralmente a desconhecimento e preconceitos. Afinal, ao contrário do que o público que desconhece o gênero costuma aparentar acreditar, o heavy metal e seus adeptos (músicos e fãs) não possuem um padrão facilmente definível a respeito de sonoridade, letras, visual e comportamento. Como o autor pontua, o heavy metal não é monolítico (p. 3-4).

Walser apresenta, na segunda categoria, o heavy metal – mais precisamente suas mensagens líricas e musicais – como discurso. De certa forma, este conceito não está tão distante das ideias de Douglas Kellner a respeito do rap como um ‘fórum cultural’, onde são discutidas perspectivas, pontos de vista e questões em geral sobre o contexto social daqueles que produzem o conteúdo em questão. Relacionando esse discurso à análise musical – algo indispensável para qualquer estudioso sério que se preze a ter música como fonte de estudo –, Walser  pontua que, ao analisar as músicas, muitos pretensos estudiosos avaliam apenas a parte lírica das obras, o que empobrece – e mais comumente inviabiliza – uma análise satisfatória da música como objeto de análise acadêmica.

Nesse sentido, apresentar o heavy metal como discurso significa mostrá-lo como portador de significados que vão além da letra e abraçam uma série de elementos e práticas. Seu valor, do ponto de vista de uma história social da cultura reside no fato de que estes objetos estão intrinsecamente ligados ao contexto social no qual são produzidos.

Em seguida, Walser dedica um capítulo a avaliar as estreitas relações entre a virtuose da ‘música clássica’ e a virtuose dos grandes guitarristas do heavy metal, demonstrando como, além de outras óbvias influências musicais como o blues, o heavy metal deve muito de sua identidade estética à música clássica; algo que, longe de ser negado, costuma ser ressaltado por fãs e críticos musicais favoráveis ao gênero como elemento de distinção e prestígio.

Para desenvolver sua argumentação, Walser analisa (temos aí a parte do livro onde a parte de musicologia mais aparece) músicas em particular de grandes guitarristas: Richie Blackmore e a música Highway Star, do Deep Purple (banda onde o guitarrista esteve presente durante sua formação mais aclamada); Eddie Van Halen e sua Eruption, relacionando algumas das técnicas que Eddie utiliza com Vivaldi; Randy Rhoads, guitarrista do início da carreira solo de Ozzy Osbourne, outro guitarrista de formação clássica (por parte de seus pais músicos), que mesmo morto prematuramente em um acidente, ainda é muito influente para os amantes do instrumento; Yngwie Malmsteen, guitarrista sueco que trouxe uma verdadeira revolução na forma como alguns guitarristas tocavam guitarra, se aproximando tanto de elementos clássicos que passou a ser constantemente comparado ao virtuoso violinista Niccolo Paganini.

No capítulo quatro a parte musical perde um pouco do destaque para as questões de gênero que envolvem o heavy metal. Walser demonstra como ocorre a exclusão das mulheres da cena musical do estilo, dá demonstrações de como certas bandas, em algumas músicas, se vitimizam diante do feminino (como no citado caso da música The Kiss of Death, da banda Dokken, relacionada ao HIV e colocando genericamente as mulheres como perigosas no que concerne à infecção) e, por fim, avalia os elementos românticos e a cena do glam rock dos anos 1980 em geral, incluindo os elementos andróginos presentes naquele contexto.

No último capítulo, talvez o mais interessante do ponto de vista social, Walser discute os ataques que a música – especialmente o heavy metal – receberam durante os anos 1980 e as tentativas de censura, principalmente do PMRC, órgão formado pelas esposas de influentes senadores dos Estados Unidos, religiosas em uma cruzada para censurar todos os produtos da indústria cultural que atacassem a moral e os pilares do puritanismo religioso. Walser derruba todos os principais argumentos do órgão com maestria.

No mesmo capítulo, Walser apresenta uma discussão sobre a presença do misticismo no heavy metal, fazendo uma discussão cujas conclusões se assemelham muito ao que Douglas Kellner discutiu em A cultura da mídia a respeito de filmes como Poltergeist, onde os elementos místicos ou de terror são representações de temores sociais reais, apresentados de forma fantasiada de modo a serem menos assustadores e impactantes, como uma espécie de escapismo lúdico carregado de significados identificáveis a respeito de uma situação social real.

Ainda neste capítulo, Walser apresenta os estudos de Danny Sugerman sobre o sucesso do álbum Appetite for Destruction, do Guns ‘N’ Roses, como resultado de suas representações cruas e de fácil identificação com classes oprimidas; suas músicas bateriam de frente com a realidade das ruas de Los Angeles (como representantes de um panorama muito maior) e de seus excluídos; drogados, prostitutas e outros indivíduos considerados indesejáveis. Sugerman chega a relacionar as perspectivas da banda aos escritos de Marx e Engels.

Apesar de, infelizmente, não possuir tradução para a língua portuguesa, arrisco a dizer que este é um dos melhores livros acadêmicos sobre o heavy metal com o qual já tive contato. Ele não se pretende como obra de apresentação da história do gênero (algo que, no que concerne ao heavy metal, tem permanecido no escopo dos jornalistas), mas as discussões que Walser traz à tona são importantíssimas para qualquer debate que se pretenda sério sobre o estilo. O autor derruba preconceitos, apresenta argumentos muito sólidos ao defender seus pontos de vista e acaba nos apresentando uma obra obrigatória para quem anseia estudar o heavy metal a sério, livre de preconceitos, ‘achismos’ e deduções sem embasamento.

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