CHAUVEAU, Agnès;
TÉTART, Philippe. Questões para a
história do presente. Bauru: EDUSC, 1999.
História imediata, história do
presente, história contemporânea; independente da forma como encaramos a
história de eventos muito recentes e como a classificamos, por muito tempo tal
história se mostrou – e talvez possamos dizer que ainda se mostra – espinhosa e
carregada de problemas. Academicamente, nos círculos historiográficos, há quem
torça o nariz para o estudo do presente, classificando como trabalho de
sociólogos, cientistas políticos, entre outros; os acontecimentos não teriam a
maturação e o distanciamento necessários ao historiador para que pudesse fazer
uma análise mais apurada, com acesso ao desenrolar dos eventos, com a melhor
definição do papel dos eventos na conjuntura de média e longa duração e
supostamente mais distante de influencias ideológicas do momento. Trabalhos
como o conciso Questões para a história
do presente adicionam reflexões indispensáveis a esta discussão,
demonstrando que mesmo carregadas de problemas, a história do tempo presente
deve ser encarada.
Lançado na primeira metade da década
de 1990, o livro é um produto de sua época – ainda que tal afirmação seja óbvia
–, e por se tratar de uma obra da historiografia francesa, está carregado de exemplos
de trabalhos franceses, além de citar exemplos que são mais próximos a suas
realidades, como a repetição da Guerra da Argélia como exemplo de história
recente, contribuindo, principalmente, no papel da memória na história do
presente (discutido mais profundamente no capítulo de Robert Frank, “Questões
para as fontes do presente”). Além do mais, ele carrega a influência da queda
do regime soviético e o fim da guerra fria em alguns de seus capítulos.
Após uma bem estruturada introdução
dos organizadores do livro cujo título dá nome à obra, discutindo diversas
questões sobre história do tempo presente – como a necessidade do
distanciamento para com as fontes, ou mesmo o fato de a história do presente
partir, em partes, de uma demanda social pós anos 1950 –, os capítulos se
desvelam em diferentes temas, propostos por Chauveau e Tétard. O primeiro,
escrito por Jean-Pierre Rioux discute a própria possibilidade de se fazer uma
história do presente, diante da condensação das informações midiatizadas. O
mesmo autor escreve um capítulo posterior, discutindo a relação da história com
o jornalismo, e mostra-se muito crítico aos historiadores e acadêmicos que
rejeitam a história do tempo presente, sob argumentos já citados aqui.
René Remónd permanece no campo do
político, o qual lhe rendeu alguns de seus mais conceituados trabalhos,
dissertando sobre a suposta volta da história política. Um conceito de “volta”
que não deixa de ser problemático, por dar a entender o retorno de concepções
historiográficas ultrapassadas, como se nada houvesse sido alterado nesse
retorno. Rémond admite, não sem razão, que o político também pode ser um objeto
de conhecimento científico, além de explicação de outros fatores além de si
mesmo. Vale dizer que, corretamente, Rémond encaixa o político numa história de
longa duração; compreendê-lo apenas por contingências é uma tarefa não apenas
muito difícil, como também metodologicamente errônea.
Já Jean-Jacques Becker dedica seu
capítulo a discutir o marxismo e o comunismo na história do presente; ou pelo
menos essa seria a proposta. Becker traça um histórico sobre as dificuldades
dos estudos sobre o comunismo (lembremos o contexto em que o livro foi escrito)
e relega o marxismo a dois parágrafos ao fim do capítulo; apesar disso, faz uma
sagaz observação ao afirmar que as análises de Marx, embora ainda relevantes
para aspectos específicos da história do século XIX e XX, são comumente
simplificadas, adotadas de modo mecânico e
em muitos casos inconsciente, além de terem um papel de “esterilização do
trabalho histórico, pretendendo submeter toda a análise das sociedades humanas
praticamente a um único tipo de explicação e negando, ou melhor, rejeitando o
pano de fundo das explicações da evolução das sociedades e do comportamento dos
homens que são, por exemplo, o espiritual, a ideia nacional...[1]
Jean-François Sirinelli dedica seu
capítulo a uma reflexão importante e cuja atualidade não esmorece: a influência
da ideologia nos trabalhos historiográficos, e como este problema pode ter
maior peso em trabalhos de história recente, onde por vezes a ideologia na qual
um historiador – ou qualquer outro estudioso – podem estar inserido,
conscientemente ou não, não é identificada; ou seja, ao contrário de trabalhos
sobre uma história mais distante, onde as ideologias presentes no contexto são
mais facilmente identificadas e distanciáveis. Na sequência, Jacques Le Goff
posiciona-se como um medievalista diante do presente, e aproveita o espaço para
reforçar a importância de se relacionar o passado distante do presente –
adotando, para o capítulo, a cronologia “oficial” de Idade Média, apesar de
citar seu conhecido conceito de Idade Média permanente até o século XIX no
plano material.
Voltamos ao já citado Robert Frank,
responsável pela discussão sobre as fontes do tempo presente, discutindo
metodologicamente as vantagens e desvantagens do uso de fontes orais, escritas
e a relação da memória com a história. Embora tais discussões sejam encontradas
em diversas obras de forma mais aprofundada, Frank consegue condensar as ideias
principais e levantar, também, os principais problemas em cada caso, além das
obrigações do historiador diante de tais dificuldades. Ao fim, o também citado
capítulo de Jean-Pierre Rioux sobre a relação da história e do jornalismo e a
conclusão, por parte de Serge Bernstein e Pierre Milza; esta condensa as ideias
do livro em poucas colocações, retomando a influência de Braudel que permeia
todos os capítulos a respeito da necessidade do historiador situar os fatos e
as contingências na média e longa duração para que se possa compreender mais
satisfatoriamente os motivos, sentidos, relevância e, talvez, consequências
desses acontecimentos contemporâneos pontuais.
Como característica negativa, a edição/impressão analisada contém um número excessivo de erros de digitação, que demonstra um aparente desleixo com o trabalho de revisão; de qualquer modo, é algo que pode ter sido corrigido em impressões mais recentes e não compromete em nada o entendimento da obra.
Como característica negativa, a edição/impressão analisada contém um número excessivo de erros de digitação, que demonstra um aparente desleixo com o trabalho de revisão; de qualquer modo, é algo que pode ter sido corrigido em impressões mais recentes e não compromete em nada o entendimento da obra.
Trata-se de um trabalho muito conciso e em alguns momentos pode parecer mesmo datado, mas é impossível negar sua qualidade. Considero este livro uma leitura obrigatória para qualquer historiador da história recente, ou mesmo imediata, pois mesmo que outras obras abordem, em separado, os temas deste livro com mais aprofundamento, Questões para a história do tempo presente as condensam de forma clara, objetiva e prática.
Preço médio: R$ 20,00
[1] BECKER, Jean-Jacques. “Marxismo e comunismo na história recente”.
In: CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe. Questões
para a história do tempo presente. Bauru: EDUSC, 1999, p. 72.