5 de julho de 2009

Santiago Camacho - Biografia não autorizada do Vaticano

CAMACHO, Santiago. Biografia não autorizada do Vaticano: nazismo, finanças secretas, máfia, diplomacia oculta e crimes na Santa Sé. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.


Tendo sido publicado em 2005 na Espanha sob o mesmo título, no equivalente espanhol, esta obra foi escrita pelo jornalista Santiago Camacho. Famoso por uma enorme gama de artigos e reportagens controversas e cheias de denúncia, costuma focar ser trabalho em questões polêmicas, como serviços de inteligências e teorias de conspiração. Por si só esses argumentos seriam suficientes para muitos lançarem olhares duvidosos sobre o trabalho do autor. Porém, a gigantesca gama de fontes apresentadas para a concepção desta obra é tamanha e colocada de forma tão ordenada que se torna difícil não render-se à compilação de tantas informações de forma tão coesa.

O livro, como o próprio autor explicita em sua introdução, não é anti-religioso. Contudo, tenta mostrar apresentando diversas fontes – que o mesmo recomenda a leitura para aprofundamento no assunto – aspectos da Santa Sé que foram durante muito tempo ocultados para a manutenção de sua imagem, abalada vez ou outra por algum escândalo.

O início do livro foca no nascimento do Vaticano como estado soberano, após a assinatura do tratado de Latrão, entre o papa Pio XI e Benito Mussolini. O duce, ateu declarado, viu que para prosperar em seus objetivos, necessitava do apoio da Igreja Católica, tão impregnada na identidade nacional italiana. Já a Igreja estava à beira da ruína, e são apresentados no livro alguns dos diversos fatores responsáveis para o declínio de uma instituição que, no passado, interveio com tanta imponência na história ocidental, tendo plenos poderes sob os mais diversos aspectos.

Sem fugir do aspecto financeiro, o livro trata de alguns dos principais responsáveis pelo ressurgimento da grandeza econômica da Igreja, como Bernardino Nogara. Segundo palavras do cardeal Spellman após seu falecimento: “Depois de Jesus Cristo, a melhor coisa que aconteceu à Igreja foi Bernardino Nogara”. Este aceitou a “gloriosa” missão de salvar as finanças do Vaticano, certificando-se, no entanto, que seus negócios deveriam estas livres de impedimentos baseados nos dogmas da Igreja. A partir de Nogara, a prática da usura deixou de ser condenada pela Igreja. Algo muito distante do que ocorria na Idade Média, onde o usurário era o pior dos condenados.

Podemos dizer, no entanto, que a parte mais chocante do livro engloba acontecimentos durante a segunda guerra mundial. Devo destacar o capítulo cinco, chamado “O outro holocausto. O Vaticano e o genocídio na Croácia”. Após a invasão dos nazistas à Iugoslávia, o Ustashi, partido católico fanático, tomou o poder do país, convertendo-o em um estado católico. Durante os quatro anos como estado independente, entre 1941 a 1945, foram executados na Croácia mais de 750 mil sérvios, judeus e ciganos, todos pelos católicos fanáticos da ustashi. Ao contrário dos nazistas, que em suas matanças prezavam pela descrição, o genocídio na Croácia e na Bósnia-Herzegovina foi caracterizado por assassinatos rituais em público e torturas que aumentavam em barbárie com o passar do tempo. Aos sacerdotes ortodoxos sérvios, por exemplo, eram relegadas algumas das piores torturas. Muitos deles foram queimados, esfolados ou esquartejados vivos. Ante Pavelic, chefe da ustashi, foi um dos principais, senão o principal responsável pelo genocídio em questão, muito apoiado por Alojzije Stepinac, que expressava sua gratidão a Pavelic e a Adolf Hitler pela independência croata. É importante citar que mesmo tendo papel marcante no genocídio na Croácia, foi elevado à categoria de beato pelo papa João Paulo II em outubro de 1998.

Em seguida, após tratar a Igreja no pós-guerra, o livro lida com nomes que muito contribuíram para o enriquecimento ilícito do vaticano e seu envolvimento com a máfia italiana e a Propaganda Due, uma poderosa loja maçônica – mesmo sendo a maçonaria sempre tendo sido rechaçada pela Igreja. Entre eles, Michele Sidona, homem que foi por tempos um dos homens mais ricos do mundo. Um trecho interessante do livro fala sobre a enorme admiração que Francis Ford Coppola possuía por Michele Sidona. Este, fascinado com o glamour de Hollywood, comprou parte das ações da Paramount. E que filme dirigido por Francis Ford Coppola fora produzido pela Paramount e fez enorme sucesso, tendo se tornado um dos maiores clássicos da história do cinema? O Poderoso Chefão, financiado em parte por Sidona e mostrando uma família Corleone sob um aspecto honrado, se comparada á outras famílias mafiosas. Os verdadeiros Corleone (apelido para a família Corleonese) eram tidos como brutos e sanguinários, até mesmo para os padrões das outras famílias mafiosas da época.

Como se não bastassem os escândalos financeiros, o livro ainda trata das teorias de assassinato dos papas Pio XI e João Paulo I. Mais do que isso, aponta alguns nomes suspeitos e indícios que afirmem as teorias, tudo de forma clara e convincente. Por fim, são expostos os escândalos financeiros durante o papado de João Paulo II, as circunstâncias de seu atentado – e de sua suposta visita de perdão ao atirador – e os milhares de casos de abuso sexual e pedofilia durante o papado deste, passando para o papado de Joseph Ratzinger, ainda recente quando o livro foi terminado.

Como dito no início desta resenha, o livro é polêmico e sua credibilidade pode ser colocada em cheque por muitos, principalmente aqueles que não simpatizam com teorias conspiratórias. No entanto, o número de fontes apresentadas e a consistência das mesmas não deixam dúvidas que se tratou de um árduo trabalho, com frutos visíveis que não devem ser ignorados. Um livro que pode abalar a fé de muitas pessoas, mesmo que sua intenção não seja esta. O trecho do livro de Mateus, capítulo 15, versículo 8, parafraseado no início do livro, é claro como água nesse aspecto: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim...”.

[EDIT] O livro contém um erro. Nele, o autor aponta o papa Estêvão V como responsável pelo que ficou conhecido como "Sínodo do Cadáver". No entanto, o papa responsável pelo sínodo na realidade foi Estêvão VI, que por alguns é chamado de Estêvão VII. O que ocorre é que o papa Estêvão morreu antes de assumir o pontificado, e seu sucessor adotou o mesmo nome. Segundo as leis canônicas modernas, o candidato se torna papa logo que é eleito, não quando toma posse. Portanto, o primeiro destes dois Estêvãos passou a ser conhecido por "Estêvão I", alterando a numeração de todos os demais Estêvãos. Logo, o papa que na época era Estêvão VI hoje é conhecido por Estêvão VII. De qualquer modo, esta confusão não justifica o erro.

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