Por Daniel Isaia
Foi no dia 20 de setembro de 1835 que as tropas farroupilhas comandadas pelo general Bento Gonçalves se rebelaram contra o Império do Brasil e proclamaram a independência da República Rio-Grandense. Deu-se início à mais longa guerra separatista da história do País.
A Revolução Farroupilha não foi uma revolta do povo gaúcho, mas dos grandes proprietários de terras — que estavam insatisfeitos com as leis federais e com a quantidade de impostos. Nos campos de batalha, no entanto, quem protagonizou a luta (em um primeiro momento) foram os mestiços, os índios e os brancos pobres.
A população negra do Rio Grande do Sul, à época, consistia em pessoas escravizadas submetidas a esses grandes proprietários de terras. Durante o primeiro ano de guerra, eles não foram enviados para o combate porque os patrões precisavam da sua força de trabalho. O general Antônio de Souza Netto, abolicionista declarado, propôs que os negros fossem libertados para participar da revolução. Apenas em outubro do ano seguinte, 1836, depois que as tropas farroupilhas sofreram graves baixas na Derrota de Fanfa, é que a proposta de Netto foi aceita.
Os ex-escravizados formaram uma unidade militar que ficou conhecida como Lanceiros Negros. Eram exímios combatentes de cavalaria armados com lanças compridas, que se entregavam à luta com garra. Eles lutavam com a ciência de que a liberdade recém conquistada estava condicionada à vitória sobre o regime escravocrata do Império do Brasil.
O republicano Giuseppe Garibaldi, um dos personagens da Revolução Farroupilha, ressaltou a qualidade dos Lanceiros Negros em combate (segundo biografia escrita por Alexandre Dumas):
“[São] soldados de uma disciplina espartana, que com seus rostos de azeviche e coragem inquebrantável, punham verdadeiro terror ao inimigo. (…) Nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes, em cujas fileiras aprendi a desprezar o perigo e combater dignamente pela causa sagrada das nações.”
Por dez anos, os Lanceiros Negros protagonizaram participações decisivas nas batalhas ao lado dos farrapos. A guerra contra as tropas imperiais, no entanto, se tornou cada vez mais inviável.
Traição sangrenta
As negociações de paz avançavam cada vez mais entre os dois lados do conflito. Poucos detalhes restavam para que a guerra chegasse ao fim.
Um dos principais impasses era justamente a situação dos Lanceiros Negros. O Império Brasileiro não aceitava a existência de homens negros em liberdade e armados, experientes em combate. O abolicionismo havia sido declarado como um ideal farroupilha e era condição exigida pelos revolucionários para que a paz fosse selada.
Os grandes proprietários de terras gaúchos, no entanto, estavam longe de serem considerados fiéis seguidores dos ideais farroupilhas. Na verdade, os patrocinadores da revolução compartilhavam do mesmo pensamento que os imperiais no que se referia aos negros; afinal, o trabalho escravo era a principal mão-de-obra em suas fazendas.
Esse foi o contexto que levou à covardia planejada pelo general farroupilha David Canabarro e pelo imperial Barão de Caxias para eliminar o impasse pela raiz.
Em novembro de 1844, conforme combinado entre os dois líderes militares, Canabarro ordenou à tropa de Lanceiros Negros para que fosse desarmada até o cerro de Porongos e lá montasse acampamento. A Caxias, coube ordenar às tropas imperiais para que também se deslocassem até o local para combater os farroupilhas que lá estivessem.
Eis um trecho da carta enviada pelo Barão de Caxias ao comandante imperial Francisco Pedro de Abreu, líder das tropas que atacariam os Lanceiros Negros:
“Poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou dos índios, pois bem se sabe que essa pobre gente ainda pode ser útil no futuro.”
Desarmados e pegos de surpresa às 2h da madrugada, os negros farroupilhas foram dizimados pelos soldados imperiais. O massacre resultou na morte de centenas de lanceiros (as versões variam entre 170 e 800 mortos). Os poucos que sobreviveram foram enviados ao Rio de Janeiro para serem reintroduzidos à vida de escravidão e trabalhos forçados.
Com o extermínio da tropa dos Lanceiros Negros, o principal impasse entre os farrapos e os imperiais já não existia mais. A traição de Canabarro e a covardia de Caxias permitiram aos dois lados selarem um tratado de paz. O preço do fim da guerra foi o sangue dos bravos guerreiros negros.
Algum tempo depois, o Barão de Caxias recebeu um título mais pomposo e se transformou em Duque de Caxias, aquele que hoje é considerado o patrono do Exército Brasileiro.