18 de setembro de 2016

A escola dos Annales: glossário

Quando se iniciam os estudos sobre a História, especialmente no Ensino Superior, é comum que haja alguma confusão entre os iniciantes sobre os significados de certos conceitos, alguns dos quais permanecem ambíguos ou pouco claros mesmo para quem já tem alguns anos de estrada na área. Isto, reproduzimos aqui o glossário inserido no final do livro A escola dos Annales: a revolução francesa da historiografia 1929-1989, de Peter Burke, que pode ser de grande valia e responder à clássica pergunta “O que significa...” relacionada aos termos abaixo.


GLOSSÁRIO

Conjuntura: Na linguagem dos economistas franceses, este vocábulo é a palavra normal para “tendência” (foi utilizada anteriormente por economistas alemães como Ernst Wagemann em seu Konjunkturlehre de 1928, e por historiadores como Wilhelm Abel, em seu estudo Agrarkonjunktur, de 1935). Braudel ajudou a colocar o termo em circulação junto aos historiadores, falando em la conjoncture générale du XVIe siècle (conjuntura geral do século XVI), em sua aula inaugural em 1950. A palavra implica (como se poderia esperar de sua etimologia, coniungere, associar) um sentido de conexão entre fenômenos diversos, mas simultâneos. Genericamente adotado pelos historiadores dos Annales, contudo, era freqüentemente usado no sentido de complementar oposto à estrutura, para significar, em outras palavras, antes a curta ou média duração do que a longa duração, não implicando conexões colaterais.


Civilização: O termo mais difícil de definir na trindade dos Annales. Antes de surgir no título da revista em 1946, havia sido empregado por Bloch em seu livro Les caractères originaux de Lhistoire... Era também um termo que tinha os favores do antropólogo Marcel Mauss, logo seguido por Braudel. Em todos esses casos, o melhor talvez fosse traduzir o termo por “cultura”, no sentido antropológico mais amplo. Assim, a civilisation materièlle de Braudel pode ser traduzida por “cultura material”.

Estrutura:
Febvre emprega o termo “estrutura” ocasionalmente, mas também ele tinha prevenções a seu respeito. Braudel pouco se utilizou do vocábulo em seu Mediterrâneono qual o que podemos chamar de seções estruturais são descritas como “a parte do meio” e “destinos coletivos”. Parece ter sido Chaunu quem o introduziu, definindo-o como “tudo o que numa sociedade, ou numa economia, tem uma duração suficientemente longa em sua modificação para escapar ao observador comum”.

Etno-história: 
Um falso amigo. O que o mundo de fala inglesa chama de “antropologia” é, usualmente, descrito em francês como etnologia. Consequentemente, etno-história significa antes “antropologia histórica” (talvez, fosse mais exato “história antropológica”) do que “etno-história”, no sentido americano de história dos povos não letrados.

História episódica (événementielle): 
Um termo depreciativo para a história dos acontecimentos, lançado por Braudel no prefácio de seu Mediterrâneo, mas utilizado anteriormente, por Paul Lacombe, em 1915 (embora a ideia retroaja a Simiand, Durkheim, e mesmo ao século XVIII).

História global: 
Um ideal formulado por Braudel. “Globalidade não é querer escrever uma história completa do mundo... é simplesmente o desejo, ao nos defrontarmos com um problema, de ir sistematicamente além de seus limites”. O próprio Braudel estudou o seu mar Mediterrâneo no interior do contexto de um “Mediterrâneo maior”, que ia do Saara ao Atlântico. O termo parece ter sido emprestado da sociologia de Georges Gurvitch, Ver história total.

História do Imaginário: Um termo recente, empregado por exemplo por Duby (1978) e Corbin (1982), que mais ou menos corresponde à velha história das representações coletivas. O vocábulo antigo tinha vinculações durkheimianas, enquanto o novo, “imaginário”, relaciona-se com tendências neomarxistas. Parece ter se originado de C. Castoriadis, Linstituition imaginaire de la societé (1975), um estudo que é, por sua vez, devedor da famosa definição de ideologia de Althusser, fundamentada na pressuposição de “relação imaginada às reais condições de existência”.

História imóvel: 
Algumas vezes traduzida como “história sem movimento”, ou “história imóvel”, expressão usada por Le Roy Ladurie numa conferência sobre o ecossistema do início da França moderna, muito criticada por ter sido entendida como uma negação da existência de mudança na história. Braudel (1949) já havia falado de uma história quase imóvel, no prefácio de seu Mediterrâneo.

História-problema:
“uma história orientada por problemas”, um slogan de Lucien Febvre, que pensava que toda história deveria tomar essa forma.

História quantitativa: 
Um outro falso amigo, pois o termo se refere, em francês, não à história quantitativa em geral, mas à história macroeconômica, à história do Produto Nacional Bruto, no passado. Alguns tipos de história quantitativa são conhecidos, na França, como história serial.

História serial: 
Um termo empregado por Chaunu em 1960, tendo sido rapidamente apropriado por Braudel e outros, para se referirem às tendências de longa duração, pelo estudo das continuidades e descontinuidades, no interior de séries relativamente homogêneas de dados (preços de cereais, data das safras de vinho, nascimentos anuais, comungantes de Páscoa, etc.).

História total:
Febvre gostava de falar em história simplesmente (histoire tout court) em oposição à história econômica, social ou política. R.H. Tawney, em 1932, empregou o termo histoire integrale, utilizando talvez um modelo francês. O antropólogo Marcel Mauss, porém, gostava de empregar o adjetivo total, com o objetivo de caracterizar o tipo de abordagem de sua ciência. Braudel usou o termo na conclusão da segunda edição de seu Mediterrâneo e em vários outros estudos. – Ver também história global.

Longa duração: 
Esta frase transformou-se num termo técnico depois que foi utilizado por Braudel em seu famoso artigo (Braudel, 1958). Uma concepção semelhante percorre seu Mediterrâneo, nesse livro, porém, ele escreveu uma história quase imóvel (em lugar de muito longa duração) e uma história lentamente ritmada (para mudanças ocorridas em apenas um século ou dois).

Mentalidade: 
Ainda que Durkheim e Mauss tenham empregado ocasionalmente o termo, foi o livro de Lévi-Bruhl, La mentalité primitive (1922), que o lançou na França. Assim mesmo, apesar de ter lido Lévi-Bruhl, Marc Bloch preferiu descrever seu Les 
Rois Thaumaturges (1924), hoje reconhecido como uma obra pioneira na história das 
mentalidades, como uma história de representações coletivas (termo preferido por Durkheim), representações mentais, ou mesmo ilusões coletivas. Nos anos 30, Febvre introduziu o vocábulo instrumental intelectual, mas não obteve grande sucesso. Foi Georges Lefebvre, um historiador situado nos limites do grupo dos Annales, que cunhou a frase história das mentalidades coletivas.

História Nova: 
A expressão foi popularizada pelo livro La nouvelle histoire (1978), editado por Jacques le Goff e outros, mas já havia sido reivindicada, anteriormente, para os Annales. Braudel havia falado de uma História Nova em sua aula inaugural no Collège de France (1950). Febvre, por outro lado, usara frases como “uma outra 
história” para descrever o que o grupo dos Annales tentava fazer.

Instrumental intelectual: ver mentalidade

Psicologia Histórica: O termo foi usado por Henri Berr em 1900, ao formular o objetivo de sua recém-fundada Revue de Synthèse Historique. Bloch descrevia Les Rois...(1924) como uma contribuição à psicologia religiosa e alguns de seus últimos ensaios – sobre respostas às mudanças tecnológicas – como contribuições à psicologia coletiva. Febvre defendeu a psicologia histórica num artigo de 1938, publicado na Encyclopédie 
française, e descreveu seu estudo de Rabelais (1942) da mesma forma. Robert Mandrou 
subtitulou seu Introduction à la France moderne (1961), baseado em notas deixadas por Febvre, e publicado numa coleção criada por Berr, “ensaio de psicologia histórica”. Mais recentemente, em sua disputa com o termo “mentalidades”, foi o perdedor.


Fonte: 
BURKE, Peter. A escola dos Annales: a revolução francesa da historiografia 1929-1989. São Paulo: UNESP, 1997.