O texto abaixo foi publicado no UOL Educação e escrito por Guilherme Perez Cabral, advogado e professor, doutor em filosofia e Teoria Geral do Direito. O original pode ser lido aqui.
Por Guilherme Perez Cabral
Espalham por aí, trazidas por uma onda sabidamente perigosa, ideias absurdamente deseducativas que defendem a "neutralidade" política do professor e "denunciam" a tomada de partido nas escolas. Assusta a aceitação, sem parar para pensar, pelos desavisados, de falas tão superficiais e contraditórias. É preciso levá-las a sério, esclarecendo suas mentiras deslavadas. Elas não sobrevivem à crítica.
A educação tem sempre um objetivo. Um objetivo escolhido por quem educa (Estado, família, sociedade em geral), dentre a infinitude de possibilidades que se abrem à imaginação e à razão humana. E, ao escolhê-lo, sempre, sempre, sempre, se toma um partido.
No nosso caso, a Constituição Federal – projeto político (repito, aqui, também: político) do que queremos ser "quando crescer" – prevê que a educação visa ao desenvolvimento pleno da pessoa, a qualificação para o trabalho e o preparo para o exercício da cidadania. Confunde-se, no final das contas, com as noções de dignidade humana e democracia.
Não escolhemos uma educação direcionada à inclusão de brancos e exclusão do negro; à formação de homens "pegadores" machos alfa e mulheres recatadas e do lar; à cultura do estupro, culpando a vítima por ser "puta"; à formação para a heterossexualidade. Decidimos que todos têm direito de se desenvolver plenamente, em sua dignidade, e de se preparar para a participação na vida social. Tomamos partido e assim deliberamos politicamente.
É verdade, já disse isso D. Saviani, há uma enorme distância entre os objetivos educacionais proclamados, num plano ainda ideal, genérico, em que o consenso, a identidade de aspirações ainda é possível, e os objetivos reais de cada um, aquilo que efetivamente se quer mudar ou deixar como está. Aqui, o conflito aparece, é inevitável.
Ótimo que seja assim. Não vamos parar de errar tanto sem o pluralismo de ideias, acompanhado da liberdade de se expressar, pesquisar, ensinar e aprender. São, aliás, princípios constitucionais.
Para atingir seu objetivo, a educação brasileira precisa, portanto, estar aberta a falar de tudo, debater todos os temas, criticamente. Falar do que está indo bem e questionar o que vai muito mal. Discutir gênero, racismo, misoginia, economia, política! Conhecimento não pode ser um tabu.
Ao educar, o professor que não é neutro, que toma partido sempre, pode – na verdade, deve – se posicionar, reconhecendo o "lugar", a perspectiva da qual fala. Tudo isso, sem excluir outras. Respeitando-as.
E pode, sim, falar de partido político, assumindo o seu, se o tiver. Não tem problema nenhum. Os partidos políticos estão reconhecidos na Constituição Federal. São um instrumento extremamente importante da democracia. Se o regime partidário brasileiro está, hoje, tão desacreditado, sem representatividade nenhuma, sua crítica e reconstrução passam pela educação.
Enfim, negar o caráter político e "partidário" da educação revela ignorância, no mínimo. A meu ver, no mais das vezes, é má-fé mesmo. Os que "denunciam" a "doutrinação política", pregando "escola sem partido", pseudoneutralidade do professor, proibição de temas que incomodam, são, sem dúvida, os maiores e piores doutrinadores político-partidários.
Já caminhamos muito para sermos levados por essa onda rasa e arcaica. Seria um retrocesso sem tamanho. É a negação da educação e, em última análise, da democracia, que escolhemos na Constituição.