8 de fevereiro de 2011

Maria Izilda de Santos Matos - Âncora de Emoções

ESTA RESENHA FOI ESCRITA POR FABIO ANTONIO COSTA

MATOS, Maria Izilda de Santos. Âncora de Emoções: Corpos, subjetividades e sensibilidades. São Paulo: EDUSC. 2005.



SOBRE A AUTORA

Maria Izilda Santos de Matos possui uma extensa vida acadêmica, sendo graduada em História pela USP no fim dos anos de 1970, posteriormente seguindo nos cursos de Pós-Graduação na década seguinte, produziu também importantes obras e ministrou várias exposições. Atualmente, leciona para conceituadas faculdades de São Paulo e também em outros estados.

ÂNCORA DE EMOÇÕES
Publicada em 2005 pela editora EDUSC, o livro Âncora de Emoções pode ser dividido em duas partes principais, que segundo a autora, são originárias de outros dois projetos anteriores.
No início da obra, MATOS discorre sobre as inúmeras possibilidades que os Historiadores ou estudiosos da área têm em seu leque de opções, como a aprendizagem proporcionada pela música (p. 30) que pode discorrer acerca da própria cultura e como é o grau de penetração dessa em nossa sociedade, por ela também é apresentado outros recursos, como cinema, teatro ou publicidade, típicos da multidisciplinaridade da História (p. 18).

A “padronização da sociedade” pela burguesia emergente do início da República que se instalava no Brasil, ou mais especificamente o homem visto como o de “padrão universal” (p. 24) são influenciador e influência para alguns discursos, destaca-se aqui o reproduzido pela medicina ou pelas músicas que circulavam nas noites dos anos de 1940/50 na antiga capital do Brasil, que moldavam a visão da sociedade para as mulheres, sempre procurando moldar a imagem da mulher em relação ao homem, em exemplos como a diferença de discurso dos médicos quando homens e mulheres tinham enfermidades semelhantes (p. 33) ou quando a própria é usada para manter a hegemonia masculina. MATOS pontua acerca da finitude das hierarquias, em especial a masculina (p. 25), que ao acontecer fragiliza o movimento que esta sociedade tende a seguir, mas que por outro lado, revelam facetas pouco exploradas, como a invisibilidade da esfera feminina e o “adestramento” do corpo das mulheres em um passado não muito distante.

Impulsionada pela expansão do café principalmente no período que vai de 1890 até 1930, a cidade de São Paulo sofreu uma vertiginosa mudança em sua sociedade, neste aspecto acompanhou mudanças, que se não criadas foram minimamente aceleradas. Neste contexto a Igreja, Estado e Medicina disciplinam a sociedade (p. 58), e como o discurso de definição de papéis, em que cabe ao homem o papel de “provedor” e da mulher o papel da “maternidade”, a Medicina impunha seu discurso, mesmo que de modo não unificado, e muitas vezes, divergente (p. 46).

Nestes discursos médicos baseados no Cientificismo, ao homem ficaria o espaço público, onde ele deveria trabalhar e sustentar a família, e seguindo todas as obrigatoriedades que teria que fazer como não se entregar a ociosidade e mesmo em uma época de grandes agitações como as greves de 1917, ele deveria manter-se em atividade, pois o padrão de masculinidade estava no trabalho (p. 69), o álcool também não era bem visto, pois poderia ferir o papel do “homem-padrão”.

Cabia a mulher uma função mais vinculada a ideia de afazeres domésticos, não sendo bem vistas na sociedade posições contrárias a esta. Sua função reprodutora era o viés de suas atribuições como seu útero e seu ovário “que a definem melhor” (p. 53), a profissão de Amas-de-leite e o fim da vida sexual após a fase fértil da vida eram recomendações da esfera pública “masculina” que nitidamente, alcançavam a esfera privada “feminina”.

Em Copacabana dos anos de 1930 até 1950, em um clima de tensão entre o tradicional e o novo (p. 99), MATOS explora a biografia de quatro importantes artistas do cenário musical brasileiro; Antonio Maria (Recife, 1921-1964), Dolores Duran (Rio de Janeiro, 1930-1959), Lupicínio Rodrigues (Porto Alegre, 1914-1974) e Vicente Celestino (Rio de Janeiro, 1894-1968). Em comum entre estes emblemáticos artistas, é sentida em suas obras a “troca” de experiências e sensações entre o público e os autores (p. 92), face ao glamour da sociedade que a época proporcionava a Copacabana.

Nestes artistas, especialmente Antonio Maria e Dolores Duran, o centro da atenção era o amor, sempre sofrido, difícil e triste (p. 107, 151) e a partir disso, MATOS concluiu que os papéis dos gêneros – masculino e feminino – nesta sociedade eram moldados. A ideia do autoritarismo nas letras (p. 138) e a positivação do masculino frente ao feminino (p. 156) demonstram as obrigações que eram impostas em um dos vários meios de comunicação de massa, às pessoas que participavam dessa sociedade. Sem ausentar, por outro viés, a própria história de vida dos mencionados artistas que acarretam suas personalidades em suas obras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Âncora de Emoções traz a luz novas formas de investigação, quais sejam, as proporcionadas nesta obra, sendo a partir da contribuição das músicas e os discursos médicos, o entrelaçamento dos discursos da cidade de São Paulo do início do período republicano do Brasil embora temporal e espacialmente distante da cidade do Rio de Janeiro que compreende os anos de 1930 até 1950, e é assumida como no caso das músicas da antiga capital do Brasil.

Compreender e chegar-se a tal conclusão nesses novos campos de investigação é uma das importantes contribuições que Maria Izilda Santos de Matos faz em sua obra, pois a discussão de gênero como o discurso do gênero masculino para dominação do gênero feminino presente na ciência médica da cidade de São Paulo alcança e é assumida em algumas mídias décadas depois na cidade do Rio de Janeiro, principalmente Copacabana, considerada a high society da época. Este entrelaçamento, que antigamente não seria possível de se compreender, é em Âncora de Emoções elucidado, pois o mesmo discurso normatizador encontrado em São Paulo é reconstruído no Rio de Janeiro, e quem saísse em ambas às sociedades destes discursos que buscavam separar as funções sociais e do lar para homens e mulheres, portanto uma discussão de gênero estaria fora dos padrões, sendo considerado um “desviado” de sua função original.

O discurso de determinados grupos, como o burguês, religioso, masculino ou cientifico, que são absorvidos por variadas camadas da sociedade, como no caso dos próprios lares que receberem tais discursos ou de cantores como a própria Dolores Duran, que carregava nas letras de suas músicas muito da essência dos discursos médicos de São Paulo das décadas anteriores, são introjetados de tal modo, que os próprios receptores de tais discursos são, em certo ponto, propagadores dos mesmos discursos.

Em suma; um dos objetivos da obra, que é estabelecer a discussão de gênero entre o masculino e o feminino e acerca de duas sociedades diferentes no tempo e espaço, mostra-se muito elucidador, pois, os próprios papéis dos gêneros masculino e feminino que nestas sociedades pelos discursos estavam moldados em funções aparentemente biológicas, obedeciam a interesses que buscavam manter posições de determinados grupos nestas importantes sociedades do Sudeste Brasileiro, sendo de maneira aparentemente vinculada a um padrão mais tradicional, e de certa maneira bem recebido pelos participantes destas sociedades, mas brilhantemente elucidado na obra de Maria Izilda Santos de Matos.

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