NOGUEIRA, Carlos Roberto F. Bruxaria e história: as práticas mágicas no Ocidente cristão. Bauru: EDUSC, 2004.
Uma das características do período conhecido por nós como Idade Média foi, sem dúvida, nos deixar como herança uma vasta gama de idéias, concepções e pensamentos; estes, perpetuados em nosso imaginário. Quem nunca, em algum momento, se deparou com a imagem estereotipada da bruxa dos contos de fada, com seu chapéu pontudo, suas verrugas, muita idade e uma gama de feitiços tendo os mais diversos e estranhos ingredientes na sua confecção?
Ignorando esta imagem por motivos mais do que óbvios, Carlos Roberto Figueiredo Nogueira confeccionou esta obra chama Bruxaria e história. O autor tenta, valendo-se de vasta bibliografia e confrontando teorias anteriores, passar ao leitor um panorama do pensamento medieval e moderno á respeito dos conceitos de bruxa, feiticeira, magia, satanismo, entre outros aspectos pertinentes neste assunto.
Muito do que se tornou o paganismo, execrado pelo cristianismo até os dias de hoje, constitui de crenças, ritos e conceitos de civilizações da antiguidade. Não tendo força o suficiente para fazer frente ao progresso cristão, muitas dessas práticas se perderam com o passar dos séculos, enquanto outras passaram a ser encaradas como “fruto da sabedoria popular”. Os “sortilégios” que futuramente seriam responsáveis por uma eliminação sistemática das ditas bruxas e feiticeiras muitas vezes eram práticas até mesmo necessárias, em um mundo aonde confiar em poções e curas ditas místicas hoje em dia era uma das poucas esperanças frente a enfermidades e intempéries.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é a busca de fundamentação além da realidade para atitudes do comportamento humano. Desde tentativas de controle climático, com objetivo de impedir a perda de uma colheita até atos que suprimissem as carências da vida material, é atitude natural do ser humano – e isso pode ser observado sem muito esforço através dos séculos sob as mais diversas manifestações – buscar fora do palpável e tangível as soluções das adversidades que se avizinham.
Mais do que explicitar as características das ditas bruxarias e feitiçarias – classificadas separadamente na obra –, o autor discorre acerca de alguns dos fatores que fizeram surgir não apenas esta mentalidade permeada de magia, mas também as causas que deflagraram a já conhecida perseguição às bruxas e demais hereges.
O livro – o autor já esclarece em sua introdução – não tem como objetivo dar um ponto final às questões que permeiam o assunto. Porém, o tratamento unilateral dado ao tema com o passar dos anos, inclusive em estudos recentes, deixam a impressão de que grandes equívocos se uniram as já conhecidas lacunas históricas para formar teorias questionáveis. O autor se incumbe da missão de desmistificar alguns pontos sob uma nova perspectiva, mediante contestação; sem ignorar, obviamente, estudos bem sucedidos na área. A abordagem da obra é focada diretamente nas mentalidades do indivíduo, seja ele perseguidor ou perseguido, durante este período entre os séculos XIV e XVII.
Uma demonstração da preocupação do autor com a mentalidade da época pode ser vista quando este nos mostra processos de bruxas. O tratamento misógino recebido pela mulher do período não é ignorado, tendo um importante esclarecimento; crucial, sem dúvida, para melhor compreensão das atitudes dos inquisidores. Estes, deve-se afirmar, grande parte das vezes faziam seu trabalho principalmente por acreditarem piamente na existência dos demônios, nos relatos – mediante tortura, o que lhes davam caráter duvidoso – acerca dos sabbats, dos vôos noturnos, das invocações diabólicas, das práticas sexuais promíscuas e de banquetes macabros.
Relacionando o real e o imaginário, o autor conclui que a existência de tudo o que foi descrito acima era legítima. Não de forma real ou material, mas no imaginário sem limites do medievo, aonde as mais absurdas imagens poderiam ser encaradas como a mais palpável das realidades, a existência de bruxas e seus malefícios era real. Logo, havia toda uma uniformidade de pensamento que corroborava as atitudes dos indivíduos. A crença no sobrenatural, sob o aspecto psicológico, exteriorizava uma crença de forma que ela, se não fisicamente real, regia o comportamento coletivo. Uma existência etérea.
Preço médio: R$ 43,00
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