14 de junho de 2009

Jacques Le Goff - O Deus da Idade Média

LE GOFF, Jacques. O Deus da Idade Média: conversas com Jean-Luc Pouthier; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.



Enquanto o mundo se afoga em profecias apocalípticas de fim dos dias, Igrejas das mais diversas surgem prometendo a salvação, esta sendo rejeitada gradativamente por um mundo que torna-se apático ao que no passado era a razão de todo um comportamento regrado. Se hoje podemos nos imaginar livres de religiões e dogmas, o ocidente medieval não podia. É impossível dissociar Deus, Igreja Católica e a Idade Média, dado o grau de importância que esta Igreja possuía e sua influência sobre toda uma civilização, com diversos resquícios que duram até hoje.

Este cenário, que podemos chamar de exótico caso queiramos nos utilizar de eufemismo, é ideal para inspirar uma boa obra. E esta resenha fala de uma. Mais precisamente O Deus da Idade Média, do medievalista francês Jacques Le Goff.

Sendo um dos maiores medievalistas do mundo, Le Goff dedicou a maior parte de suas obras a essa época tão cheia de nuances. Neste livro, o autor foca na presença de Deus neste período, desenvolvendo a obra através de conversas – como já explicita o sub-título – com o historiador e redator-chefe da revista Le Monde de La Bible, Jean-Luc Pouthier.

O livro aborda diversas questões. É discutida, por exemplo, a visão que a população medieval possuía de Deus, como o imaginavam e sua relação com o mesmo. Logo no primeiro capítulo, com poucas palavras, Le Goff explicita o início do Cristianismo e esboça sua expansão:

“A Antiguidade tardia é o período em que o Deus dos cristãos se torna o Deus único do Império Romano. Esse Deus é um Deus oriental que consegue se impor no Ocidente. Os primeiros grupos de cristãos se desenvolveram um pouco à maneira de uma seita, que faz conquistas e cujo número de membros cresce.” (1)

Ainda no mesmo capítulo, é importante frisarmos a influência de práticas pagãs no culto cristão. Essas práticas continuaram sendo praticadas na surdina pelos camponeses. Ora, á partir do momento que 90% da população se concentrava nos campos, temos aí uma grande deturpação deste culto cristão que prega a idéia de que toda crença fora do cristianismo é de origem demoníaca.

No segundo capítulo, Le Goff aborda a presença de duas figuras que alcançaram grande status na época e que até hoje mantém-se com força: o Espírito Santo e a Virgem Maria. O capítulo tenta mostrar a flexibilidade do monoteísmo cristão medieval quanto à presença de outras figuras que não Deus. Ilustra a dificuldade não apenas do povo entender a presença deste Espírito Santo e da unidade da Santíssima Trindade quanto a dos clérigos da época ao tentarem criar uma concepção compreensível desta.

No terceiro capítulo, é discutida a presença de Deus na Idade Média, principalmente sua representação. Afinal de contas, os cristãos representam Deus através da arte, diferentemente de judeus e muçulmanos que cultuam um Deus não visualizado. Não apenas isso, os cristãos o representam sob um aspecto monárquico, praticamente imperial; tal qual um rei em seu trono, com poderes absolutos.

No quarto capítulo, o livro foca no papel da Igreja na cultura medieval. É um tanto complicado apontar o foco da discussão, já que esse é um assunto suficientemente longo; contudo, é algo que jamais pode ser ignorado, já que essa influência marcou para sempre a cultura e a formação da ética ocidental. Por mais que não se perceba, seus elementos estão presentes em nosso cotidiano, mesmo depois de tantos séculos.

Um livro pequeno, poucas páginas, letras grandes, que pode ser lido rapidamente. Porém, possui um conteúdo tão rico que é impossível menosprezá-lo. Ele segue o caminho inverso de livros gigantescos que se perdem em floreios e fogem do foco. Objetivo, é uma leitura obrigatória para qualquer historiador que deseje compreender a inserção da Igreja na sociedade medieval.

Preço médio: R$ 25,00


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Notas:
(1) LE GOFF, Jacques. O Deus da Idade Média: conversas com Jean-Luc Pouthier; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp 18