18 de abril de 2016

A Batalha de Montese


O texto abaixo é uma junção de trechos de diferentes textos sobre o assunto, somado de citações de importantes obras sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra e trechos originais objetivando a coesão e ligação entre os trechos utilizados. As referências dos textos usados encontram-se ao fim do artigo. Veja também nosso vídeo sobre "Os brasileiros e a Segunda Guerra Mundial" de Francisco Ferraz, e nosso vídeo sobre a música "Smoking Snakes", do Sabaton, dedicada a três soldados da Força Expedicionária Brasileira.


Em 1944, mais de 25 mil soldados brasileiros embarcaram rumo à Itália para lutar no maior conflito da História. Muito já se falou a respeito da participação de nossos soldados na Segunda Guerra Mundial, a nível acadêmico, em trabalhos de excelente qualidade. Pesquisadores como Dennison de Oliveira, Francisco Ferraz, Cesar Maximiano, Mário Clóvis Aleixo, Marlene de Fáveri, Anysio Henrique Neto, Danilo Prandi, Carmem Lúcia Rigoni e Alessandro dos Santos Rosa são apenas alguns dos que já se debruçaram sobre o tema, e suas produções renderiam horas e mais horas de prolífica leitura.

No entanto, cerca de setenta anos após o fim do conflito, o público geral pouco ou nada sabe sobre a participação brasileira. Esse pequeno artigo, que é uma junção de textos distintos, objetiva falar sobre um dos principais eventos nos quais a Força Expedicionária Brasileira se envolveu, que nos últimos dias completou 71 anos: a Batalha de Montese.

Em 14 de abril de 1945, durante a II Guerra Mundial, o Brasil deu um importante passo que marcaria para sempre a história de suas Forças Armadas. Nesta data, teve início um dos mais árduos combates travados pelos brasileiros contra os nazistas na Itália: a Batalha de Montese, considerada a batalha mais sangrenta lutada pelo Exército Brasileiro desde a Guerra do Paraguai.


Depois de entrar oficialmente na Guerra, graças aos ataques de submarinos alemães a navios brasileiros, o Brasil passou a preparar seus militares para o combate.  O treinamento da Força Expedicionária Brasileira (FEB) ocorreu inicialmente na Vila Militar, no Rio de Janeiro, e seguiu com a chegada do 1º Escalão à Itália, em 16 de julho de 1944.

Montese


Montese era um burgo medieval localizado nos contrafortes dos Apeninos (norte da Itália), sua capital é Modena e está localizada a 58 quilômetros de Bolonha. Possuí numerosos rios, uma rica vegetação, bosques e castanhais antigos que rodeiam os povoados medievais. Era considerada uma região de difícil acesso devido às fortificações alemãs construídas durante o período que perdurou a Linha Gótica. As tropas alemãs encontravam-se na posse da região de Montese, tendo como fronteiras as Províncias de Modena e Bolonha.

As forças aliadas buscavam abreviar a guerra e iniciaram uma série de ofensivas em um episódio conhecido como “Ofensiva da Primavera” rumo ao Vale do Rio Pó. O comando do 5º Exército Americano encarregou a FEB, por sugestão de seu próprio comandante o general Mascarenhas de Morais, a tomar a cidade de Montese. Cumprido este objetivo um dos obstáculos para o avanço aliado estaria vencido.

Patrulha brasileira em Montese
Pela primeira e única vez foram empregados somente elementos brasileiros no ataque, desde a guarnição operando a artilharia até os esquadrões de reconhecimento e seus M-9 Greyhound. Para o ataque principal foram escalados elementos pertencentes ao 11º Regimento de Infantaria (São João del Rey – MG) , o regimento Tiradentes, ao ataque. Os comandantes brasileiros decidiram que o ataque à Montese deveria estar composto em duas fases, sendo elas:

1ª Fase- Missão Secundária às 9 horas: Ataque com 2 pelotões a dois postos avançados do inimigo.

2ª Fase- Missão Principal às 12 horas: Ataque a cidade de Montese, também com 2 pelotões.

Além do terreno complicado e do clima extremamente frio, os soldados brasileiros tiveram que se adaptar ainda a novos armamentos, equipamentos e uniformes, bem diferentes dos que estavam acostumados a manusear no Brasil. Após uma intensiva preparação em território europeu, os chamados pracinhas já estavam aclimatados e adaptados ao ambiente operacional.

As tropas aliadas avançavam, desde o início do ano de 1945, contra os inimigos na Itália, mas, para conquistar o norte, era preciso dominar a região estratégica de Montese. “A posse de Montese era decisiva para a vitória final, pois, determinaria a evolução do cenário e o prosseguimento da Guerra na Itália”, explica o general Gerson Menandro, chefe de Assuntos Estratégicos do Ministério da Defesa (MD) e especialista no tema.
 
Peças de artilharia
Até aquele momento a Tomada de Monte Castelo ocorrida no dia 21 de fevereiro de 1945, nas proximidades de Montese, colocava a Força Expedicionária Brasileira como tropa veterana e ofensiva pronta para atuar na chamada Ofensiva da Primavera, cujo objetivo era barrar os alemães ao norte e libertar Bolonha. Acreditava-se na forte presença alemã em Montese, ponto estratégico para todos os envolvidos, como aponta a historiadora Carmen Lúcia Rigoni, representante da Associação Nacional dos Veteranos da FEB em Curitiba.

Segundo o general Gerson Menandro, para retomar a região, a missão dos brasileiros foi dividida em duas fases: uma com o lançamento de fortes patrulhas destinadas a capturar a primeira linha de alturas de posse do inimigo, e outra de ataque, precedida de intensa preparação de artilharia, apoio de blindados e cortina de fumaça.

De acordo com o general da reserva do Exército, Luiz Eduardo Rocha Paiva, a Vila de Montese foi a parte mais significativa da ação brasileira. "O ataque começou às 9h35, do dia 14 de abril de 1945, feito pelo 11º Regimento de Infantaria de São João Del Rei, e se prolongou até as 15 horas.  Para ele, a conquista de Montese é significativa porque rompeu as linhas inimigas “Gótica” e “Gengis Khan”, permitindo que os aliados cercassem 148ª Divisão e aprisionando cerca de 21 mil homens.

Reproduzimos aqui um trecho do livro "Aliança Brasil-EUA: nova história do Brasil na Segunda Guerra Mundial", de Dennison de Oliveira:

O ataque principal desfechado pela 10ª DMth, tropa de elite do Exército dos EUA, e na qual se depositavam tantas esperanças, fracassou, sofrendo os estadunidenses pesadas baixas. A 1ª Divisão Blindada do Exército dos EUA, destinada a explorar a ruptura da frente que viesse a ser conseguida pela 10ª DMth pouco pôde fazer. Os alemães reagiram violentamente à ofensiva dos brasileiros, destinando à área da FEB mais granadas de artilharia do que a todas outras tropas sob comando norte-americano. Dos cerca de 2.800 tiros de artilharia disparados pelos alemães contra as quatro divisões atacantes, coube somente à divisão brasileira nada menos de 1.800 (64%). O preço pela tomada de Montese acabou sendo alto para a FEB. Houve 426 baixas brasileiras, sendo 34 mortos, 382 feridos e 10 desaparecidos. Montese era uma posição extraordinariamente bem defendida, provida de todo tipo de dispositivos e armas destinados a infligir o máximo de danos aos que se dispusessem a atacá-la, para não mencionar o mais intenso apoio de fogo de artilharia ainda à disposição do comando das tropas alemãs.

Correspondentes

Montese após o conflito
Poucos sabem que o Brasil foi um dos países que mais correspondentes de guerra enviou para a campanha da Itália em 1944. Eram inúmeros os jornais da época, principalmente os da capital federal, Rio de Janeiro, que deram cobertura á campanha até ao final da guerra.

Segundo Carmem Lúcia Rigoni, é possível apontar 10 correspondentes que embarcaram para a Itália juntamente com a tropa brasileira nos diversos escalões. Destes, destacamos Rubens Braga (Diário Carioca) Thassilo Augusto Campos Mitke (Agencia Nacional) Raul Brandão (Correio da Manhã) Joel Silveira (Diários Associados) e Egydio Squeff (O Globo) além dos correspondentes estrangeiros como Frank Noral (Assuntos inter-Americanos) e Henry Baggley (Associated Press).

Com algumas dessas reportagens em mãos, nos reportamos aos tempos da conquista de Montese narrados por Egidio Squeff:

Em franca desagregação as forças de Kessserling, os soldados, às centenas,descem as encostas entregando-se aos nossos combatentes. Apesar do grande número de prisioneiros nazistas ,não há indícios da retirada germânica.Os alemães recuam premidos pelas forças americanas e brasileiras ,embora cresça a quantidade dos que se rendem, não podemos afirmar que o inimigo esteja abandonando sem lutas suas posições.

Em outra reportagem:
Cheguei a esta cidade em companhia dos correspondentes Joel Silveira e Mitke, primeiros jornalistas que nela entraram. Nenhuma casa ficou intacta e só agora podemos avaliar o efeito terrível causado pelos disparos da nossa artilharia, as manchas de sangue nas casas, assinalam a violência da batalha.


Contudo, o comando da F.E.B. teve relações problemáticas com jornalistas e veículos da imprensa, especialmente pela pesada censura do Departamento de Imprensa e Propaganda, que restringia a difusão de informação. Segundo Cesar Maximiano:

Um dos fatores que mais comprometeram a fidedignidade dos relatos jornalísticos produzidos na F.E.B. foi a inexistência de "correspondentes de combate": nossa tropa dispunha unicamente de "correspondentes de guerra" que faziam a cobertura de suas ações de longe e a partir de informações de segunda mão. A diferença está tanto no nome quanto na função: o correspondente de guerra é um jornalista que gravita nos comandos e áreas de quartéis-generais. É um elemento de funções essencialmente exercidas nas retaguardas militares, e sua ida ao front de batalha é, por definição, esporádica e, principalmente, breve. [...] Nem mesmo os fotógrafos de guerra creditados à F.E.B. produziram um número considerável de imagens reais de combate: [...] [O 3° Sargento Ewaldo] Meyer admitiu que alguns fotógrafos brasileiros costumavam pedir ao pessoal do QG que encenasse cenas de combate nas áreas cobertas de neve da retaguarda.

Na avaliação dos especialistas, Montese foi a campanha de maior envergadura pelo seu aspecto militar, pois foram 4 dias de intenso combate e a F.E.B a única tropa a entrar na cidade e render o inimigo. Para os montesinos foi trágico: Foram cerca de 900 mortos entre os civis e a destruição quase total da cidade, além das grandes baixas sofridas pelos brasileiros, cuja saga encerraria nos combates de Collecchio e Fornovo.

Apesar da vitória, a Batalha de Montese foi, como dito anteriormente, uma das mais sangrentas da história das Forças Armadas. A topografia favorecia o defensor alemão, que ocupava posição dominante no terreno. Outro fator relevante foi a forte resistência alemã, por causa da importância estratégica da área. Eles reagiram minando campos, e por contra-ataques com blindados, bombardeios e morteiros. “O Brasil lutou contra a maior máquina de guerra que era o Exército alemão”, explica o professor Thiago Tremonte de Lemos, que ministra História Contemporânea na Universidade de Brasília. Ainda que nesse ponto da guerra a Alemanha já carecesse de homens e provisões e estivesse prestes a ser esmagada, em seu certo, pelo Exército Vermelho, o contexto de Montese mantinha-os extremamente perigosos para a Força Expedicionária Brasileira.

Sobre a batalha, reproduzimos o relato de José Marino, da 9ª Companhia de Fuzileiros do 6° Regimento de Infantaria, presente no livro Barbudos, sujos e fatigados, de Cesar Maximiano:

Não me impressionou tanto ver o meu companheiro morto como eu ver o capacete dele cheio de sangue virado pro ar. Eu quase não me contive. Foi em Montese também. Perdemos muitos, muitos. Foi uma mortalidade fora de série. Eu passei por vários companheiros mortos. Inclusive o cabo Weber, que eu fui depois pegar o revólver .45 que tava na cintura do atirador, que eu cortei a cinta, a barriga abriu e... né, não me impressionou tanto como lá, quase no finzinho do morro lá em cima o capacete. O sujeito tava morto assim do lado e com uma bala na cabeça e no capacete o sangue empoçou.

A repercussão da vitória

Igreja em Montese destruída por bombardeio
O professor Thiago Tremonte de Lemis - cuja especialidade é a instrução militar do Exército Brasileiro - destaca como a derrota alemã em solo italiano foi importante. “Ao final da guerra, o Brasil adquire um novo conhecimento em doutrina militar e isso foi fundamental para as nossas Forças Armadas".

Sobre o General Willis D. Crittenberger, comandante do IV Corpo-de-Exército Norte-Americano, Dennison de Oliveira afirma:

O General Crittenberger era o comandante do IV Corpo de Exército dos EUA, a quem estava subordinada a FEB. Ele não admirava nem simpatizava com os brasileiros, tendo entrado em conflito várias vezes com seus subordinados. Contudo, ao tomar conhecimento do empenho e da habilidade da FEB em atacar e tomar Montese, ele não hesitou em cobrir a atuação brasileira de elogios. É de se notar que esse foi o único sucesso das tropas sob comando dele na Ofensiva da Primavera em seu dia inicial. 

Entusiasmado com a atuação brasileira, Crittenberger declarou: “na jornada de ontem, 14 de abril, só os brasileiros mereceram as minhas irrestritas congratulações; com o brilho do seu feito e seu espírito ofensivo, a Divisão Brasileira está em condições de ensinar às outras como se conquista uma cidade.

Após a atuação na II Guerra, com destaque para a violenta Batalha de Montese, o Brasil passou a ter outra visão com relação ao preparo de suas tropas. “As Forças Armadas tiveram como ensinamento que devemos manter nossas Forças Armadas fortes, bem preparadas e equipadas, atentas aos avanços tecnológicos do mundo na área de Defesa”, afirma o general Menandro.

Conclusão

A Batalha de Montese é um evento histórico que, entre outras coisas, derruba por terra o mito de que a campanha brasileira teria sido calma. O desconhecimento público sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, associado às sátiras sobre os veteranos e as comparações com outros cenários da guerra (muitos vastamente representados no cinema, algo que influencia de forma muito impactante as mentalidades) faz com que a imagem de uma participação pífia se perpetue. Esperamos que esse pequeno compilado de material seja uma pequena contribuição para desmistificar alguns preconceitos sobre o papel dos Brasil na Itália durante a Segunda Guerra Mundial.

Referências

MAXIMIANO, Cesar C. Barbudos, sujos e fatigados: soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Grua, 2010.

OLIVEIRA, Dennison de. Aliança Brasil-EUA: nova história do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Curitiba, Juruá Editora, 2015.


Batalha de Montese

14 de abril de 1945 - A conquista de Montese

A tomada de Montese na Itália e os correspondentes de guerra

A Batalha de Montese