9 de agosto de 2016

"O pior dos fins": as bombas de Hiroshima e Nagasaki

O texto abaixo foi escrito pelo Prof. Sidnei Munhoz, e foi publicado originalmente na Revista de História da Biblioteca Nacional. O original pode ser lido aqui.

Por Sidnei Munhoz

Era o dia 6 de agosto de 1945. O avião B-29, Enola Gay, comandado pelo coronel Paul Tibbets, sobrevoou Hiroshima a 9.448 metros de altitude e, quando os ponteiros do relógio indicaram 8h16, bombardeou-a com um artefato nuclear de urânio, com 3 m de comprimento e 71,1 centímetros de diâmetro e 4,4 toneladas de peso. A bomba, apelidada de Little Boy, foi detonada a 576 metros do solo. Um colossal cogumelo de fumaça envolveu a região. Corpos carbonizados jaziam por toda parte. Atônitos, sobreviventes vagavam pelos escombros à procura de comida, água e abrigo. Seus corpos estavam dilacerados, queimados, mutilados. Cerca de 40 minutos após a explosão, caiu uma chuva radioativa. Muitos se banharam e beberam dessa água. Seus destinos foram selados. 

Três dias depois, um novo ataque nuclear aniquilava outra cidade do Japão, Nagasaki, desta vez com uma bomba de plutônio (Fat Man). Dias 6 e 9 de agosto de 1945. Estas datas entraram para a história como símbolos indeléveis da tragédia humana, e ainda hoje provocam disputas de interpretações: os ataques foram necessários para encerrar o conflito ou uma decisão política para intimidar a União Soviética?

Em agosto de 1939, Albert Einstein escreveu uma carta ao presidente Franklin D. Roosevelt. Exilado nos Estados Unidos, o renomado cientista alertava sobre a possibilidade de os alemães desenvolverem uma poderosa bomba a partir da fissão atômica do urânio. Preocupado, Roosevelt designou uma comissão para estudar o assunto. Em 1942 foi criado o “Projeto Manhattan”, comandado pelo general Leslie Groves e com equipe científica coordenada por Julius R. Oppenheimer. O programa funcionava sob segredo de Estado e disciplina militar. Iniciado com parcos recursos, logo se tornou prioridade, com investimentos de 2 bilhões de dólares e uma equipe de centenas de cientistas e cerca de 130 mil trabalhadores. 

A Segunda Guerra aproximava-se do final quando, em 16 de julho de 1945, o artefato nuclear foi testado com sucesso em Alamogordo, no Novo México, Estados Unidos. Após acompanhar a experiência, o secretário da Guerra, Henry Stimsom, voou para a Alemanha, onde acontecia a Conferência de Potsdam, e transmitiu a notícia ao presidente Harry Truman, que decidiu bombardear o Japão.

O uso da aviação tornara-se cada vez mais intenso durante a Segunda Guerra. Cidades como Londres, Dresden e Berlim foram devastadas por bombardeios. Ao vislumbrarem o final da batalha na Europa, os Estados Unidos focaram no Japão. Em meados de 1944, aviões B-29 – conhecidos como “fortalezas aéreas” e determinantes para mudar os rumos da guerra – passaram a fustigar as principais cidades daquele país. Em junho, os Estados Unidos conquistaram as ilhas Marianas, no Pacífico, onde construíram uma base aérea. Dali partiam os ataques.

A princípio, o objetivo era destruir a infraestrutura militar e industrial dos japoneses. No entanto, em 1945, iniciaram-se bombardeios noturnos contra grandes cidades. Na madrugada de 10 de março, mais de 2 mil toneladas de bombas incendiárias destruíram um quarto de Tóquio, mataram cerca de 85 mil civis e feriram 100 mil. Nos dias seguintes, Nagoya, Kobe e Osaka foram arrasadas. Em maio, Tóquio, Osaka e Nagoya novamente viraram alvos, além de Yokohama e Kawasaki. Em julho, os bombardeios espalharam-se para cidades médias e pequenas, reduzindo-as a escombros. Entre março e julho, os bombardeios mataram mais de 300 mil civis, feriram 1 milhão e desabrigaram de 8 a 10 milhões de pessoas. O desfecho trágico e definitivo viria com a decisão do bombardeio atômico. Inicialmente foram escolhidas como alvo, por ordem de prioridade, as cidades de Hiroshima, Kokura, Nagasaki e Niigata. O acaso de uma instabilidade climática poupou Kokura e condenou Nagasaki. 

Bombardeio atômico à Nagasaki em 9 de agosto de 1945


Historiadores ortodoxos defendem que as bombas atômicas foram uma medida necessária para encerrar de vez o conflito com o Japão. Haveria evidências de que o país preparava uma forte defesa, uma batalha decisiva. O ataque nuclear, ao abreviar a guerra, teria poupado a vida de milhares de soldados estadunidenses e de civis japoneses, uma vez que um desembarque no Japão custaria de 500 mil a 1 milhão de vidas. Revisionistas, no entanto, afirmam que a decisão foi uma demonstração de força para chantagear os soviéticos, em função das tensões emergentes entre as duas potências. Os japoneses já teriam até mesmo acenado com uma rendição, mas para os Estados Unidos seria mais vantajoso terminar a guerra com o Japão antes da entrada da União Soviética, evitando a divisão de áreas de influência na região. Desta perspectiva, os bombardeios nucleares ao Japão são considerados como as primeiras declarações da Guerra Fria.

Há discrepâncias também sobre as fatalidades. Enquanto o “Projeto Manhattan” computa 66 mil mortos, o governo de Hiroshima contabiliza cerca de 130 mil mortes imediatas e mais 10 mil até novembro de 1945. Em Nagasaki, as estatísticas do “Projeto Manhattan” contam 39 mil mortes simultâneas ao bombardeamento, enquanto a cidade reconhece 73.884 mortes e 74.909 feridos. 

Pior do que a permanência das controvérsias são os efeitos que perduraram nas populações atingidas. Ao longo dos anos, a radioatividade continuou a ceifar e a degradar vidas por meio do câncer, da leucemia e da deformação genética. 

Sidnei J. Munhoz é professor da Universidade Estadual de Maringá e autor de “Os bombardeios nucleares a Hiroshima e Nagasaki”, In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da et alli. O Brasil e a Segunda Guerra Mundial (Multifoco, 2010).

Documentos

http://www.trumanlibrary.org/whistlestop/study_collections/bomb/large/index.php

Saiba Mais 

ALPEROVITZ, Gar. A Diplomacia Atômica. Rio de Janeiro: Saga, 1969.
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos et al. (org.). Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
SCHELSINGER Jr., Arthur. Os ciclos da história americana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
THOMAS, Gordon & Witts, Max Morgan. A bomba de Hiroshima. São Paulo: Círculo do Livro, 1986.

Filmes e documentários

Hiroshima: o dia seguinte (24 Hours After Hiroshima). Produção, direção e roteiro: Pamela Caragol Well. Em associação com a National Geographic Television, EUA, 2010.  
Black rain (Kuroi Ame). Direção: Shoei Imamura. Japão, 1989 (123 min). Preto e branco. Produzido por Hayashibara Group, Imamura Productions, Tohokashinsha Film Company Ltd.