16 de outubro de 2015

Margot Wallström, feminismo nas relações internacionais e a Arábia Saudita

O texto à seguir é uma tradução livre de um texto publicado no site Spectator, cujo 
original pode ser lido AQUI


"A Ministra das Relações Exteriores feminista sueca ousou falar a verdade sobre a Arábia Saudita. O que acontece agora é da conta de todos nós."

O posicionamento cheio de princípios de Margot Wallström merece amplo apoio. Traição parece mais provável.

Nick Cohen
28 de Março de 2015

Margot Wallström
Se os gritos de ‘Je suis Charlie’ fossem sinceros, o mundo ocidental estaria em convulsão, preocupado e indignado com a questão de Wallström. Ela tem todos os ingredientes para um confronto estilo “Choque das civilizações”.

Há poucas semanas atrás Margot Wallström, a Primeira-Ministra de Relações Exteriores, denunciou a subjugação das mulheres na Arábia Saudita. Como o reino teocrático proíbe mulheres de viajar, conduzir negócios oficiais ou casar sem a permissão do tutor masculino, e como garotas podem ser forçadas a casamentos ainda crianças onde elas são efetivamente estupradas por homens mais velhos, ela não falou mais que a verdade. Wallström condenou as cortes sauditas por ordenar que Raif Badawi receba dez anos de cadeia e mil chibatadas por criar um site que luta por secularismo e liberdade de expressão. Estes eram “métodos medievais”, disse a ministra, e uma “tentativa cruel de silenciar formas modernas de expressão”. E, uma vez mais, quem pode negar isso?

A repercussão seguiu o padrão estabelecido por Rushdie, as charges dinamarquesas e o Hebdo. A Arábia Saudita retirou seu embaixador e parou de emitir vistos para empresários suecos. Os Emirados Árabes Unidos se juntaram a ela. A Organização para a Cooperação Islâmica, que representa 56 estados majoritariamente muçulmanos, acusaram a Suécia de faltar com o respeito para com os “padrões éticos ricos e variados” do mundo – padrões tão ricos e variados, aparentemente, que incluem o enforcamento de blogueiros e o encorajamento de pedófilos. Enquanto isso, o Conselho de Cooperação do Golfo condenou sua “interferência inaceitável em assuntos internos do Reino da Arábia Saudita”, e eu não apostaria contra tumultos anti-Suécia muito em breve.

Ainda assim, não existe a “questão de Wallström”. Fora da Suécia, a mídia ocidental mal cobriu a história, e os aliados da Suécia na União Europeia não demonstraram estar inclinados em apoiá-la. Uma pequena nação escandinava enfrenta sanções, acusações de islamofobia e talvez coisas piores a vir pela frente, e todos ficam em silêncio.  E como tantas vezes acontece, o escândalo é que não há um escândalo.

É um sinal de como a política moderna ficou tão transtornada que uma política que defende a liberdade de expressão e os direitos das mulheres no mundo árabe seja tomada por uma liberal muscular*, ou neoconservadora, ou ainda uma apoiadora dos novos partidos de direita populistas cujo comprometimento com a liberdade de expressão é meramente uma fachada para seu ódio anti-muçulmano.  Mas Margot Wallström é aquela raridade moderna: uma política de esquerda que vai onde seus princípios a levam.

Ela é a Ministra de Relações Exteriores da fraca coalizão entre Socialdemocratas e Verdes (Partido verde) da Suécia.  Ela reconheceu a palestina em outubro do ano passado – e, não, a Liga Árabe, a Organização Para a Cooperação Islâmica e o Conselho de Cooperação do Golfo não a acusaram de “interferência inaceitável nos assuntos internos de Israel”. Eu confesso que seu gesto me pareceu contraproducente naquele momento. Mas depois de Bejnamin Netanyahu descartar um Estado palestino enquanto ele usava qualquer jogo sujo que ele pudesse imaginar para assegurar sua reeleição, ela pode clamar com justiça que a história a justificou.

Ela foi então para a versão saudita da Sharia. Seu criticismo não foi apenas retórico. Ela afirmou que era antiético para a Suécia continuar com seu acordo de cooperação militar com a Arábia Saudita. Em outras palavras, ela ameaçou a habilidade das companhias armamentistas suecas de fazer dinheiro. A negação de vistos de negócio a suecos por parte da Arábia Saudita ameaça prejudicar os lucros de outras companhias também. Você pode ver os suecos como socialdemocratas justos, que nunca deixam a preocupação de parecerem tediosos ficar no caminho de sua retidão. Mas isso nunca foi completamente verdade, e certamente não é verde quando há dinheiro em jogo.

A Suécia é o 12° maior exportador de armas do mundo – uma conquista e tanto para um país com apenas nove milhões de pessoas. Ela exporta para a Arábia Saudita um total de $ 1.3 bilhões. Líderes de negócios e funcionários públicos estão também cientes de que outros países majoritariamente muçulmanos devem seguir a liderança da Arábia Saudita. Durante a “Crise dos cartoons” – uma frase que eu ainda não consigo escrever sem bufar de incredulidade – companhias dinamarquesas encararam ataques globais e a rede francesa de supermercados Carrefour tirou produtos dinamarqueses de suas prateleiras para agradar consumidores muçulmanos. Uma campanha coordenada por nações muçulmanas contra a Suécia não é uma suposição fantástica. Há conversas de que a Suécia pode perder sua chance de ganhar um assento no Conselho de Segurança da ONU em 2017 por conta de Wallström.

Para expor a situação da forma mais leve que eu posso, o establishment sueco enlouqueceu. Trinta diretores-executivos assinaram uma carta afirmando que quebrar o acordo de comércio de armas “colocaria em risco a reputação da Suécia como um parceiro para comércio e cooperação”.

Nada menos que Sua Majestade o Rei Carl XVI Gustaf em pessoa recebeu Wallström no fim de semana para lhe avisar que queria um acordo. A Arábia Saudita vem transformando com sucesso o criticismo de sua versão brutal do Islamismo em um ataque a todos os muçulmanos, independente de eles serem Wahabitas ou não, e Wallström e seus colegas estão claramente enervados pelas acusações de islamofobia. Tudo indica que ela irá ceder à pressão, particularmente quando o resto da Europa progressista não demonstra nenhum interesse em apoiá-la.

Pecados de omissão são tão reveladores quanto pegados de permissão. O “caso” Wallström nos ensina três coisas. É mais fácil instruir países pequenos como a Suécia e Israel sobre o que eles podem ou não fazer do que países como os Estados Unidos e a China, ou uma Arábia Saudita que pode solicitar um apoio muçulmano global quando criticada. Em segundo lugar, uma Europa que está ficando cada vez mais velha e mais pobre está começando a achar que padrões de moralidade em política externa é um luxo pelo qual ela não pode pagar. A Arábia Saudita tem estado totalmente confiante de que a Suécia precisa do seu dinheiro mais do que ela precisa de produtos importados da Suécia.

Finalmente, e o mais revelador em minha opinião, o “caso” nos mostra que os direitos das mulheres sempre vêm em último lugar. Para ter certeza disso, basta ver as tempestades no Twitter sobre homens sexistas e a mídia alimentando frenesis toda vez que uma figura pública usa “linguagem inapropriada”. Mas quando uma política tenta uma campanha pelos direitos das mulheres sofrendo sob uma cultura clerical misógina e brutal, ela não é aplaudida; ao invés disso, encarara um silêncio vergonhoso e revelador.

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* Em termos simplistas, um "liberal muscular" é normalmente definido como alguém que rejeita o multiculturalismo e, ainda que apoie a convivência de grupos de diferentes origens socioculturais, defende que a "cultura local" deva ser integralmente respeitada, tendo as "culturas" oriundas de fora a obrigação de se adequar ao contexto para o qual se moveram. A ideia de "liberal muscular" é associada principalmente ao atual Primeiro-Ministro britânico David Cameron.