DUFFY, Eamon. Santos e pecadores: história dos papas. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.
São muitos os fatores que podem ser decisivos a um leitor na hora de adquirir um livro. Seja um título chamativo, uma bela capa, a qualidade do papel, uma rica gama de ilustrações, um conteúdo condizente com o que o leitor busca, entre outros. O que me chamou a atenção para este livro foi seu possível conteúdo. O título me dava a entender algo diferente, mas eu estaria mentindo se dissesse que me decepcionei, porque são poucas as obras que dão ao seu autor a chance de poder gabar-se do quão completo é o conteúdo do seu trabalho. Eis uma delas.
Seu título me deu a impressão, quando o li, que se tratava de uma espécie de enciclopédia, contando sobre a vida dos papas individualmente. Não obstante, ao folhear o livro, percebi que estava enganado. No entanto, isso não foi motivo para que eu me decepcionasse. Eamon Duffy, católico assumido, em nenhum momento tenta adular os pontífices, tampouco tenta fazer saltar aos olhos suas falhas de caráter. Para não cair na armadilha de deixar-se levar por lendas e boatos de opositores de alguns papas, o autor deixa de lado muitos escândalos do papado, atendo-se apenas àqueles aonde de fato foi possível se comprovar o que foi dito.
A Igreja Católica desde seu início apoiou-se em cima de uma conhecida frase do Evangelho de Mateus, aonde Jesus Cristo dirige-se a seu apóstolo, Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja e te darei as chaves do Reino dos Céus”. O apóstolo teria o poder de ligar e desligar Céu e Terra. Os papas, proclamando-se sucessores de Pedro, consideram-se os detentores destas chaves simbólicas dadas por Cristo. É interessante notar em muitas das imagens que ilustram este livro – e são muitas, o livro é de fato belíssimo – mostram as ditas chaves, em boa parte pinturas do Renascimento, usando esta simbologia como instrumento de legitimação.
No início, a Igreja Católica (do grego katholikós que significa algo como “totalidade”, podendo este significado ser adaptado para “universal”) era composta por algumas assembléias dispersas (a própria palavra Igreja é oriunda da palavra grega ecclesia, que significa “assembléia”). Por conta da distância e da não-unidade de direcionamento, haviam muitas questões divergentes. Uma delas, por exemplo, era a data da Páscoa, celebrada por algumas igrejas no dia 14 de nisã (data do pessach judeu), caísse no Domingo ou não.
Os bispos de Roma, no entanto, acreditavam que possuíam autoridade sobre os demais bispos. Para legitimar esta afirmação, os papas valiam-se da história de que Pedro havia morrido no circo de Nero, sendo crucificado de cabeça para baixo. No entanto, não existem documentos, nem outros vestígios de que essa história seja verdadeira. De igual modo, o que era um bispado que reclamava para si a liderança da Igreja, acabou se tornando o pontificado como o conhecemos, de um chefe religioso que declara-se senhor de uma doutrina infalível.
Um trunfo que este livro possui é justamente o que de início me pareceu estranho: não focar demais na vida dos pontífices. O que ocorre é um relato histórico aonde o papa é o personagem principal. O livro possui um foco muito bem equilibrado no cenário político, social e econômico dos reinados citados. Mesmo porque se trata de uma monarquia de aproximadamente dois milênios de existência, que muito teve que ser tolerada por certos governantes, necessitados do controle que o clero e a religião exerciam sobre o povo. Muitos destes governantes se tornaram extremamente impopulares por irem contra os pontífices nas mais diversas eras. Obviamente que muitos desastres se abateram sobre o Vaticano, como o saque das tropas Napoleônicas, ou o momento em que haviam dois papas em exercício (um em Avignon, na França, e outro em Roma). Existe um equilíbrio visível em sua narrativa que é notado sem esforço.
Embora o livro possua uma cronologia, seguidamente o autor cita um papa anterior ou um papa de anos após o momento até então narrado para encaixá-los no contexto. Isso pode vir á confundir o leitor mais desatento, mas o comparativo entre os pontífices se mostra necessário em alguns pontos. Alguns papas obviamente são destacados no livro. Tanto aqueles que deixaram uma marca positiva – como Gregório, o grande – como os que deixaram marca negativa – vide Gregório VII. Assim como elogia o caráter eclesiástico ou a amabilidade de alguns, não mede palavras ao tratar determinados pontífices como verdadeiras nulidades em seu tempo. Soa incômodo que em alguns casos, como a teoria de assassinato de João Paulo I, o autor apenas se contenha afirmando que essas teorias são “boatos infundados”, sem apresentar ao leitor argumentos que expliquem essa falta de fundamento. Afinal, seria interessante entender o porquê desta certeza por parte do autor.
Ao fim, o livro possui uma lista de todos os papas e do ano de seus respectivos pontificados, procurando minimizar possíveis confusões, sendo que á partir de João XIV os papas não só pelos nomes adotados por estes, mas também seus nomes originais. O segundo apêndice é um glossário com alguns termos cruciais para o entendimento do livro.
Passando por toda a história do papado até João Paulo II – o papa em exercício na época de sua publicação –, este livro é, pois, obrigatório para todos aqueles que desejam estudar a história do catolicismo, e consequentemente do cristianismo. Seus capítulos são longos, o livro em si possui letras pequenas, o que faz com que suas mais de trezentas páginas pareçam multiplicar-se. No entanto, cada linha vale á pena ser lida.
Preço médio: R$ 72,00