10 de julho de 2009

Hernan Cortez - O fim de Montezuma


CORTEZ, Hernan. O fim de Montezuma: relatos da conquista do México. Porto Alegre: L&PM, 1999.

A civilização Asteca e as demais tribos que habitavam a região do atual México ainda despertam fascínio e dúvida no nosso imaginário. Uma civilização mais avançada do que se poderia supor, com aquela que provavelmente era a maior cidade urbanizada do mundo (Tenochtitlán) e incontáveis pertences em ouro, cunhado com esmero invejável até mesmo pelos ditos civilizados da Europa. Muito do que se sabe deste povo provém dos relatos dos colonizadores espanhóis; entre eles, Hernan Cortez, o homem que conquistou os Astecas em nome do imperador da Espanha.

O livro em questão se trata, na realidade, de uma extensa carta escrita por Cortez ao imperador espanhol Carlos I. Foi a segunda carta enviada por este ao monarca, sendo que a primeira se perdeu. Nela há um meticuloso relato por parte de Cortez, desde o meio ambiente aos costumes dos povos encontrados, relatos de batalha, entre outras impressões.

A carta inicia-se com a adulação previsível de uma carta dirigida á um monarca. Cortez a inicia com “Mui alto e poderoso e mui católico príncipe, invictíssimo imperador e senhor nosso”. Durante toda a carta, Cortez atribui a cada um de seus atos um caráter de providência divina, e sempre reiterando que tudo o que faz é á serviço de sua majestade. O que me deixou até certo ponto surpreso é que o relato de Cortez é um tanto diferente do que eu esperava. Por se tratarem de indígenas de um novo mundo, pagãos, o que era de se esperar de um relato sobre estes seria um completo desdém. No entanto, Cortez se refere aos nativos da península de Yucatán de forma respeitosa. Vez ou outra deixa escapar seus ardis e suas táticas para convencer os nativos a se curvarem diante do poder da coroa espanhola, mas isso não muda o fato de que poucas são as vezes na carta que Cortez se refere aos Astecas ou demais povos de forma pejorativa.

Obviamente que muitos atos reprováveis são destacados de ambos os lados. Assim como Cortez aponta tentativas de emboscadas e traição por parte dos nativos, ele mesmo fala de ocasiões em que usou de violência para impor respeito ou punir. A exemplo, citemos a ocasião em que queimou vivos alguns indígenas, ou outra em que cortou uma mão de cada um dos cinquenta índios que tentaram lhe espionar enquanto estava em um acampamento. Em vários pontos da carta utiliza-se de uma argumentação religiosa para justificar seus atos, atribui a Deus diversas de suas vitórias e até mesmo troca os ídolos dos templos astecas por imagens de santos católicos.

A carta mostra também algo que foi fundamental para a vitória dos espanhóis sobre os astecas: a colaboração das tribos inimigas de Montezuma.

Os astecas possuíam uma crença de que deviam estar sempre fazendo sacrifícios humanos para o deus Huitzlopochtli. Os Astecas, como povo guerreiro que era, escravizava diversos povos, e desses povos provinham os sacrifícios. Os homens eram levados ao topo dos templos, aonde seus corações eram arrancados com estes ainda vivos. O corpo da vítima era jogado fora, enquanto seu coração era consagrado ao deus; depois o coração era utilizado na manufatura de seus ídolos, tal qual Cortez relata em uma passagem. Isso contribuiu para que os espanhóis conseguissem um enorme contingente de indígenas que lutassem contra os Astecas. Muito desse sucesso é dedicado à ajuda de Marina de Viluta, uma indígena que foi concubina de Cortez e muito o ajudou na função de intérprete.

Ao contrário do que pode se supor, o encontro e a convivência entre Cortez e Montezuma foi pacífica. Cortez acreditava que Montezuma era uma espécie de imperador asteca, quando na verdade se tratava de um tlacalecuhli, um título de governante que não garantia ao seu possuidor poder absoluto. O tlacalecuhli estava subordinado a um conselho tribal e a um co-soberano civil. Era um cargo vitalício, mas poderia ser revogado. Já Montezuma acreditava que Hernan Cortez e os espanhóis eram o cumprimento de uma profecia asteca. Segundo esta profecia, o criador haveria de um dia voltar a Terra. Os astecas acreditaram que o imperador espanhol do qual Cortez tanto falava era este ancestral superior, e portanto os astecas cederam ao domínio espanhol sem resistência. Tudo ocorria bem, até que em um determinado período em que Cortez esteve fora de Tenochtitlán, seus soldados que lá ficaram atacaram nativos enquanto estes faziam um ritual anual, que foi confundido com uma provocação para a guerra – segundo os relatos de Cortez, obviamente. Montezuma, que estava trancado no palácio como prisioneiro de Cortez – conivente com a própria prisão, diga-se de passagem –, foi deposto do cargo de tlacalecuhli, e quando saiu para tentar ordenar a interrupção do ataque por parte dos nativos, foi ferido. O ferimento em questão foi de tal seriedade que três dias depois este veio á falecer, sem que a guerra terminasse.

Mais para frente Cortez conta como conseguiu escapar com vida, embora com uma sequela permanente em uma das mãos. A carta termina com este novamente invocando o nome de Deus como responsável por sua sobrevivência e como responsável pela vitória que considerava certa. Neste fim, Cortez conta como estava conseguindo juntar um enorme contingente para invadir a capital asteca.

Mais do que um relato histórico por parte de alguém que era mais que um contemporâneo aos eventos, mas parte fundamental deste, esta carta transformada em livro é um bom instrumento para o estudo da história das mentalidades. Desde a forma com a qual Hernan Cortez fala dos nativos, seja pelo modo quase despreocupado como narra as mortes que causou e as vilas e cidades que incendiou, seja na demonstração fervorosa de fé no catolicismo ou nas vezes em que tenta passar ao imperador o máximo de detalhes e fidelidade possíveis, é possível entender a mentalidade do colonizador da época. Saber como este pensava, como via seus alvos e como pensava a respeito de seus próprios atos. Um livro que, se não obrigatório, é um excelente complemento para qualquer historiador.

Preço médio: R$ 10,00